Pseudoprofundidade: o teatro da mentira
Pseudoprofundidade é uma forma de falar coisas óbvias ou mal-intencionadas como se fosse algo novo, profundo e revelador. Apesar de não se tratar de uma falácia — mas sim de uma habilidade teatral — a pseudoprofundidade costuma caminhar lado a lado com as falácias, pois é uma forma de camuflar argumentos fracos, incoerentes ou desonestos com um falso revestimento de “conhecimento profundo” ou “sabedoria divina”.
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Muitos líderes religiosos, políticos e gurus são especialistas nessa estratégia. Normalmente é utilizada para abordar os grandes temas da vida, como as questões existenciais, o amor, a morte e a sobrevivência. Ainda que sejam temas essenciais, são também assuntos de grande apelo emocional, e por isso mesmo são um vasto campo atuação para oportunistas e aproveitadores que exploram o desespero, a ingenuidade e a fragilidade das pessoas.
Pseudoprofundidade nas religiões
Essa é uma estratégia utilizada apenas por líderes religiosos desonestos que pretendem passar uma impressão de inspiração divina, mas escondem intenções egoístas e vaidosas.
Imagine o orador em silêncio. De repente, ele começa a falar pausadamente: “Para morrer, basta estar vivo”, “É importante conhecer a si mesmo”, “Deus é misterioso” e coisas afins. A forma como a frase é dita, a teatralidade dos gestos e o fundo musical compõem a pseudoprofundidade. A impressão, para o crédulo, é de estar ouvindo uma genuína mensagem espiritual. Chorar, gritar e se emocionar também são formas de passar a impressão de inspiração divina. Ainda que o discurso traga certa verdade, o uso da teatralidade exagerada — um traço característico da pseudoprofundidade — pode sugerir a tentativa de manipulação do público.
Ao assistir programas religiosos, podemos perceber — além da pseudoprofundidade — as falácias da falsa autoridade, do argumento divinizado, do apelo à ignorância e da rampa escorregadia. Tudo isso se aplica também a seitas e gurus espirituais mal-intencionados.
Pseudoprofundidade nas empresas
No mundo corporativo, criar jargões e neologismos é uma forma de parecer inteligente. Assim, um clichê pode ser dito com outras palavras, passando a impressão de grande novidade e domínio do assunto. Excesso de termos em inglês também é recurso muito utilizado, já que, infelizmente, no Brasil, se valoriza mais as culturas estrangeiras do que nossa própria cultura.
Preferencialmente, o orador deve ter “experiência de sucesso”, comportamento despojado e segurança na voz. Por isso, a pseudoprofundidade é aliada da falácia da falsa autoridade. Atualmente existem os “gatilhos mentais”, que são táticas de venda que utilizam frases que denotam empatia, expectativa, autoridade, escassez do produto, etc. Tudo isso, claro, é amparado pela teatralidade.
No meio empresarial, em muitos casos, os palestrantes estão falando as mesmas coisas com outras palavras. Algumas palestras de gurus do marketing mais parecem shows de rock que, em muitos casos, são um exemplo caricato de pseudoprofundidade. Existem bons líderes e palestrantes no ramo corporativo que trazem, de fato, inovação em seus discursos e também utilizam teatralidade como forma de transmitir suas ideias. Como a teatralidade não é exatamente um traço de desonestidade em palestras empresariais, mas também uma forma de descontração, é necessário mais atenção para perceber a pseudoprofundidade.
Pseudoprofundidade na política
Na política, a pseudoprofundidade quase sempre é a exposição de um problema grandioso atrelado à uma solução igualmente grandiosa. Nesse caso, como a maioria dos eleitores é influenciável, vence o candidato que transmite a impressão de entendimento profundo da situação, ainda que esse entendimento seja apenas encenação. Após eleito, o candidato não resolve o problema e até demonstra incapacidade de lidar com ele.
A pseudoprofundidade na política foi explorada no livro 1984, de George Orwell. Na história do livro, cartazes com a frase “O grande irmão zela ti“ transmitiam a ideia de poderosa proteção, contudo, a população era dominada pelo medo. Esse contraste evidente escondia o discurso político falacioso.
Na Alemanha Nazista e na União Soviética de Stalin, a magnífica propaganda política e os discursos grandiosos transmitiam uma forte impressão paternal e revolucionária em prol do povo e do futuro da nação, mas escondiam projetos obscuros de seus líderes.
É comum durante as eleições a utilização de alertas sombrios, demonstrando com dados históricos e teorias econômicas o “desastre que está por vir”. E, claro, a solução para esse desastre é o próprio candidato que expõe a situação.
Conhecer a falácia da pseudoprofundidade é importante para que as pessoas desconfiem de discursos teatrais e desonestos, e, cada vez mais, abram espaço para líderes voltados para o bem comum, e não apenas para si mesmos.
Autor: Alfredo Carneiro – Graduado em Filosofia e pós-graduado em Filosofia e Existência pela Universidade Católica de Brasília.