Os cegos e o elefante: paralelo com René Descartes
A parábola dos cegos e o elefante possui muitas versões, no entanto, a primeira versão surgiu no texto budista Udana, que faz parte da coleção de escrituras Pāli Canon. Essa antiga parábola indiana fala sobre as divergências de opinião.
A versão apresentada abaixo foi adaptada e traduzida do inglês pelo editor do netmundi.org. Você também irá encontrar após o texto uma comparação dessa parábola com o pensamento do filósofo francês René Descartes, bem como links para algumas gravuras antigas inspiradas neste conto de sabedoria.
Os cegos e o elefante
Um grupo de homens cegos ouviu que um animal estranho, chamado de elefante, havia sido trazido para a cidade, mas nenhum deles conhecia sua forma. Então eles disseram: “Podemos conhecê-lo pelo toque, pois disso somos muito capazes.”
Quando eles encontraram o elefante, começaram a tatear e discutir entre si. Cada homem tocou numa parte e, confiante de sua habilidade, discordava dos demais. Eles não percebiam que estavam tateando um animal enorme.
O primeiro homem, cuja mão pousou na tromba, disse:
— Este animal é como uma cobra grossa!
Outro cuja mão alcançou sua orelha, discordou:
— Este animal é como um leque!
O outro homem, cuja mão estava sobre a perna, riu dos demais e disse:
— O elefante é como um tronco de árvore!
O cego que colocou a mão na barriga do animal falou:
— O elefante é um muro!
Outro que sentiu o rabo do animal disse:
— O elefante é como uma corda!
O último, já irritado, sentia a presa do elefante e afirmava em tom de sabedoria:
— O elefante é como uma lança!
E assim os homens se comportam diante da verdade: tocam apenas uma parte e acreditam conhecer o todo. E por isso continuam tolos.
Paralelo com René Descartes
Divergências de opinião também são um problema recorrente na história da Filosofia. René Descartes, um dos mais notáveis filósofos da Era Moderna, inicia sua obra Discurso sobre o Método abordando esse problema:
“O bom senso é a coisa do mundo mais bem distribuída, pois cada um pensa estar tão bem provido dele que não deseja ter mais do que já possui. Isso demonstra que o poder de diferenciar o verdadeiro do falso — aquilo que chamamos bom senso ou razão — é igual em todos os homens. A diversidade de nossas opiniões, contudo, não provém do fato de uns serem melhores do que outros, mas tão somente porque os homens não levam em consideração as mesmas coisas.”
Esta é também a conclusão da parábola dos cegos e o elefante: cada um dos homens não leva em consideração as mesmas coisas. Cada um consegue perceber apenas uma parte do animal. O fato de serem cegos — e certos da verdade — talvez seja seu maior simbolismo.
De certa forma, esse paralelo entre o filósofo francês e a parábola indiana mostra como as conclusões apressadas geram respostas erradas. Por isso, Descartes conclui em seguida:
“Não é suficiente ter a menta sã, o principal é bem aplicá-la. As maiores almas são capazes dos maiores erros, tanto quanto das maiores virtudes, e os que andam muito lentamente podem avançar muito mais, se seguirem sempre o caminho reto, do que aqueles que se apressam.”
Autor: Alfredo Carneiro – Graduado em Filosofia e pós-graduado em Filosofia e Existência pela Universidade Católica de Brasília.
Gravuras da parábola
- “Monges cegos examinando elefante”, gravura de Hanabusa Itchō (1652–1724
- “Cegos tateando um elefante”, de Ohara Donshu, Período Edo (séc. 19) Brooklyn Museum
- Imagem dos sete cegos e o elefante – livros de doutrina do Templo Jain
- “Homens cegos e o elefante” – Holton-Curry readers, 1914
Sugestões de leitura
- Os monges e a mulher no rio
- Pensamentos de René Descartes (1596-1650) – vídeo
- Pensamentos de Descartes (imagens)
- O Pensador e o Demonstrador – sobre as crenças pessoais
- A água da vida – uma metáfora sobre o egoísmo
- O dilema do porco-espinho, de Arthur Schopenhauer
- Nossa casa está em chamas
- O Cadarço – a loucura segundo Charles Bukowski
- O sofrimento e o bem estar segundo Solzhenitsyn
- O Sonho dos Ratos, de Rubem Alves
- Ozymandias: um poema sobre o poder e o tempo
- Os três filtros de Sócrates: o bom uso da razão
- Fedro de Platão: O misterioso daemon de Sócrates e o amor platônico
- As rotinas criativas dos grandes pensadores