O Pensador e o Demonstrador – sobre as crenças pessoais
Texto de Robert Anton Wilson, do livro A Ascensão de Prometeus (1983)
A mente humana se comporta como se estivesse dividida em duas partes, o Pensador e o Demonstrador. O Pensador pode pensar virtualmente sobre tudo. A História mostra que ele pode pensar que a Terra está apoiada numa sequência infinita de tartarugas superpostas, que é oca, ou que está flutuando no espaço — milhares de pessoas acreditam na última opção, inclusive eu mesmo.
A religião e a filosofia comparadas mostram que o Pensador pode se considerar como mortal, imortal, tanto imortal como mortal (o modelo reencarnacionista, por exemplo) ou mesmo como não-existente (Budismo). Ele pode se pensar como vivendo num universo cristão, num universo marxista, num universo relativístico científico ou num universo nazista, entre muitas outras possibilidades.
Como os psicólogos e psiquiatras observaram com frequência (para grande desespero dos seus colegas médicos), o Pensador pode se pensar doente e também saudável, novamente.
O Demonstrador é um mecanismo muito mais simples. Opera de uma única maneira, sempre: Aquilo que o Pensador pensa, o Demonstrador prova.
Para citar um exemplo famoso, que permitiu o desencadeamento de horrores incríveis no início do nosso século, se o Pensador pensar que todos os judeus são ricos, o Demonstrador irá provar isso. Irá coletar evidências de que o mais pobre dos judeus, no mais decrépito dos guetos, possui dinheiro escondido em algum lugar.
Se o Pensador pensa que o Sol se move ao redor da Terra, o Demonstrador irá organizar diligentemente todas as percepções, para que elas se encaixem naquele pensamento; se o Pensador modificar a sua mente e decidir que é a Terra que se move ao redor do Sol, o Demonstrador irá reorganizar a evidência.
Nota do editor: Na época em que esse texto foi escrito, nos anos 80, esta afirmação poderia parecer exagerada. Contudo, o atual movimento de pessoas que pretendem provar que a Terra é plana parece confirmar as teses do autor.
Se o Pensador pensa que água benta de Lourdes irá curar sua doença, o Demonstrador irá orquestrar habilidosamente todos os sinais das glândulas, músculos e órgãos até que eles se organizem num estado saudável outra vez. Logicamente é fácil ver que as mentes das outras pessoas funcionam dessa maneira. Porém, é mais difícil perceber que a nossa própria mente funciona dessa maneira também.
Acredita-se, por exemplo, que alguns homens são mais objetivos que outros. Os homens de negócio costumam ser orgulhosos, pragmáticos e objetivos neste sentido. Uma breve avaliação do comportamento histérico, que a maioria dos homens de negócio parece copiar e utilizar, irá rapidamente corrigir esta impressão.
Os cientistas, entretanto, ainda são considerados como sendo objetivos. Nenhum estudo da vida dos grandes cientistas irá confirmar isso. Eles foram tão passionais e, portanto, tão preconceituosos quanto um grupo de grandes pintores ou músicos.
Não foi apenas a Igreja, mas também os astrônomos reconhecidos e estabelecidos da época, que condenaram Galileu. A maioria dos físicos rejeitaram a Teoria Especial da Relatividade de Einstein em 1905. O próprio Einstein não reconhecia nada da Teoria Quântica após 1920, não importando quantos experimentos viessem a suportá-la.
O envolvimento teimoso de Thomas Edison com geradores elétricos de corrente contínua (CC), fizeram-no afirmar que a corrente alternada (CA) era insegura à saúde por muitos anos, mesmo depois que esta foi comprovadamente reconhecida como segura.
A teimosia de Edison sobre esse assunto era em parte resultante da sua inveja de Nikola Tesla, o inventor do gerador de corrente alternada.
Por sua vez, Testa recusou o prêmio Nobel quando este lhe foi concedido em conjunto com Edison porque recusava-se a aparecer na mesma plataforma que ele. Estes dois gênios foram apenas capazes de “objetividade”, de praticar ciência, em apenas certas condições limitadas de laboratório.
A ciência atinge ou se aproxima da objetividade não porque um cientista individual se tornou imune às leis psicológicas que nos governam, mas porque o método científico — uma criação de grupo — eventualmente supera os preconceitos pessoais e particulares ao longo do tempo.
Para considerar um exemplo famoso dos anos 60, havia um ponto de divergência entre pesquisadores de três grupos, que haviam provado que o LSD causa danos nos cromossomos, enquanto que outros três grupos haviam provado que o LSD não causa nenhum efeito sobre os cromossomos. Em cada um dos casos, o Demonstrador havia comprovado aquilo que o Pensador pensava.
Na atualidade, existem na física experimentos que confirmam um conceito altamente controverso, conhecido como Teorema de Bell e dois experimentos que o refutam.
Na área da percepção extra-sensorial, os resultados de pesquisa foram uniformes durante mais de um século: todos os pesquisadores, que propuseram-se provar que o paranormal existe, obtiveram sucesso e todos que propuseram provar que não existe, também obtiveram sucesso.
A “verdade” emerge somente depois de décadas de experimentos, realizados por milhares de grupos espalhados por todo o mundo. No final, estamos esperançosos de nos aproximar mais e mais da verdade objetiva, ao longo dos séculos. Num prazo menor, aquilo que o Pensador pensa, o Demonstrador prova.
Se o Pensador pensa de maneira suficientemente apaixonada, o Demonstrador irá provar o pensamento de forma tão conclusiva, que você nunca fará com que a pessoa saia desta visão, mesmo que seja algo tão estranho como a existência de um Deus que gasta toda a eternidade torturando as pessoas que não acreditam na sua religião.
O universo percebido é uma mistura do “universo real” e nosso próprio Demonstrador tentando provar as crenças prediletas de nosso Pensador.
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