Eis aqui um filme perigoso. Sim, perigoso, pois eu mesmo achei graça de algumas piadas do filme quando, na verdade, a imagem de Hitler não tem graça alguma e é sempre bom lembrar as coisas que estão associadas a ele. Aqui está o perigo deste filme: ele desconecta a imagem de Hitler das coisas que ele fez e das ideias que promoveu. De forma sutil, “Ele está de volta” apresenta Hitler como um comediante maluco, porém, muito carismático e inteligente que consegue convencer as pessoas sobre algumas ideias ligadas ao ultranacionalismo e perfeição da raça humana. Na verdade, não se trata de um comediante mas do próprio Hitler que por algum motivo misterioso veio do passado e foi parar na Alemanha em 2014.
A questão dos judeus, uma das piores coisas associadas ao líder nazista, não é tão enfatizada no filme, que focou mais na perspectiva psicológica de um Hitler assombrado com a tecnologia e o “comportamento degenerado” dos alemães de hoje. Em alguns momentos o filme assume o formato de documentário e as pessoas são entrevistadas nas ruas pelo próprio “Führer”. Os entrevistados, ao entenderem que aquilo seria uma piada, acabam expressando ideias de ódio e preconceito, enquanto outros ficam claramente incomodados com as perguntas. “As pessoas têm raiva reprimida”, conclui o personagem do “Hitler comediante”. E isso é ÓTIMO para uma mente política doentia.
Em alguns momentos, as entrevistas de Hitler lembram Borat, um filme do ator e diretor Sacha Baron Cohen. Como Sacha Baron é judeu e Borat é um personagem fictício, as piadas com judeus assumem um caráter de “rir de si mesmo” sem maiores consequências. Porém, Hitler e o nazismo não foram ficção e o nazismo não executava covardemente apenas judeus, mas também, em nome do aperfeiçoamento da raça, soldados alemães feridos nos hospitais e bebês que nasciam com problemas de saúde. Tudo isso está muito bem documentado no excelente Arquitetura da Destruição do diretor Peter Cohen. Fica claro que Hitler foi um tipo de líder político que, como Stalin, matava até mesmo aqueles que lhe apoiavam caso não servissem mais aos seus projetos megalomaníacos. Para Hitler e Stalin não existia apenas política, mas também loucura.
O filme é bem feito e propositalmente cheio de ambiguidade. Sua narrativa alterna entre entrevistas e programas de auditório. O ator que faz o papel de Hitler é muito bom e consegue segurar o espectador até o final, sendo isto algo assustador no filme: o fato de uma pessoa carismática e convicta, aparentando firmeza intelectual, conseguir convencer e enganar as pessoas explorando suas necessidades e ressentimentos.
Autor: Alfredo Carneiro
Editor do netmundi.org
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