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O Mundo dos Separados – a religiosidade indígena brasileira

O Mundo dos Separados

O Mundo dos Separados é um texto de autoria do índio Lúcio Flores Terena. O tema do texto refere-se à visão de um mundo religioso desconhecido do resto do Brasil. Ainda que a cultura e a religião dos povos indígenas sejam parte integrante da cultura brasileira, é ainda um mundo estranho para o resto do país; ainda visto sob a ótica limitada do preconceito. Seu autor, além de integrante dos povos indígenas, é também teólogo, sociólogo e mestre em Ciência da Religião. Este post contém alguns pontos mais importantes selecionados do texto original, para que o leitor tenha um painel da visão religiosa deste “mundo dos separados”. Boa leitura. O mundo dos separados.

O Mundo dos Separados

O que é o sagrado? O que é o profano? Onde acaba um e começa o outro? O desafio na busca desse limite é constante na história do ser humano. É sempre difícil encontrar respostas que sejam aceitáveis e coerentes com as nossas práticas. Para nós, povos indígenas, não é diferente. Cada povo, com sua bagagem cultural distinta, tem também maneiras diversas de entender e interpretar o sagrado e conviver com ele.

Para nós, a majestade dos templos não está na imponência das suas construções ou nos seus detalhes artísticos, mas na serenidade dos nossos templos naturais: as matas, os rios, as cachoeiras, as montanhas. A nossa fé e prática religiosa se evidenciam diante da natureza, nos seus muitos mistérios e magias nos quais nos banhamos e nos aprofundamos.

Nesse nível, nossos limites são maleáveis, é muito difícil encontrar a fronteira que possa impedir que se desfrute do sobremundo que temos, onde Criador e criatura são todos sagrados, separados. Poderíamos dizer que profano é não desfrutar desse paraíso envolvente, diante do olhar radiante do CriadorO mundo dos separados.

O Mundo dos Separados

Como indígenas, nossos rituais sagrados são coletivos, compostos de cantos, danças e ritos, como os de iniciação ou de passagem das fases da vida. Apenas os sacerdotes fazem sozinhos os rituais de adoração. A religiosidade, no entanto, não se limita aos momentos festivos, mas adentra os diversos aspectos da vida. Nos períodos de árduo preparo da terra ou na penosa tarefa de lançar a semente, caçar ou pescar, que não é lazer, mas um ato de fé e coragem, tudo sai da luta pela sobrevivência, tornando-se um ritual sagrado.

Um forte temporal se aproximava, e o velho pajé guarani, olhando para o céu que brilhava em relâmpagos, disse: “Nhan-dejáry ypoxi” (Deus está bravo). Essa é uma experiência que faz parte do ser humano e pode até se tornar rotina, dando a entender que é uma marca do Criador; sempre bravo. No entanto, é uma experiência muito forte entre os povos indígenas que estão em permanente contato com a natureza, suas mudanças e seus efeitos.

Os sinais no céu, eclipses, vendavais, enchentes, tempestades e outras manifestações da natureza são acompanhados minuciosamente pelos pajés. A análise desses fatos permite-lhes fazerem alertas e previsões para a comunidade, mostrando o quanto é necessário respeitar e tratar bem a mãe terra, sob o risco de sofrer as conseqüências da sua revolta.

Outro aspecto desse olhar do Divino é o seu caráter menos repressivo e mais permissivo em relação ao ser humano. Nas tradições religiosas indígenas, em que a Divindade se compõe de duas ou três pessoas, como na Trindade cristã, normalmente são gêmeos, dos quais um cuida do lazer, do bem-estar, das brincadeiras e do aproveitamento pleno da criação como um todo.

O Mundo dos Separados

Isso permite que os povos indígenas curtam muito toda a criação, sem as tradicionais preocupações, como horários, trabalhos ou outras responsabilidades. Significa que toda a comunidade pode decidir brincar no rio, na mata ou na montanha por um ou mais dias sem se sentir culpada por não trabalhar, produzir ou se alimentar na hora certa, também porque a hora de comer é quanto chega a fome.

Esse não é um pecado da preguiça ou da irresponsabilidade, ao contrário, trata-se de um aspecto da Divindade, que simplesmente desfruta junto com o ser humano de toda a obra da criação.

Extraído do texto “O Mundo dos Separados” de Lúcio Flores Terena.

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