Os cegos e o elefante: paralelo com René Descartes
![cegos-elefante Os cegos e o elefante - René Descartes](https://www.netmundi.org/home/wp-content/uploads/2018/06/cegos-elefante-620x264.jpg)
A parábola dos cegos e o elefante possui muitas versões, no entanto, a primeira versão surgiu no texto budista Udana, que faz parte da coleção de escrituras Pāli Canon. Essa antiga parábola indiana fala sobre as divergências de opinião.
A versão apresentada abaixo foi adaptada e traduzida do inglês pelo editor do netmundi.org. Você também irá encontrar após o texto uma comparação dessa parábola com o pensamento do filósofo francês René Descartes, bem como links para algumas gravuras antigas inspiradas neste conto de sabedoria.
Os cegos e o elefante
![os sete cegos e o elefante](https://www.netmundi.org/home/wp-content/uploads/2018/06/sete-cegos-elefante.jpg)
Um grupo de homens cegos ouviu que um animal estranho, chamado de elefante, havia sido trazido para a cidade, mas nenhum deles conhecia sua forma. Então eles disseram: “Podemos conhecê-lo pelo toque, pois disso somos muito capazes.”
Quando eles encontraram o elefante, começaram a tatear e discutir entre si. Cada homem tocou numa parte e, confiante de sua habilidade, discordava dos demais. Eles não percebiam que estavam tateando um animal enorme.
O primeiro homem, cuja mão pousou na tromba, disse:
— Este animal é como uma cobra grossa!
Outro cuja mão alcançou sua orelha, discordou:
— Este animal é como um leque!
O outro homem, cuja mão estava sobre a perna, riu dos demais e disse:
— O elefante é como um tronco de árvore!
O cego que colocou a mão na barriga do animal falou:
— O elefante é um muro!
Outro que sentiu o rabo do animal disse:
— O elefante é como uma corda!
O último, já irritado, sentia a presa do elefante e afirmava em tom de sabedoria:
— O elefante é como uma lança!
E assim os homens se comportam diante da verdade: tocam apenas uma parte e acreditam conhecer o todo. E por isso continuam tolos.
Paralelo com René Descartes
![Discurso sobre o método de René Descartes](https://www.netmundi.org/home/wp-content/uploads/2014/09/descartes_discurso_sobre_o_metodo-1.jpg)
Divergências de opinião também são um problema recorrente na história da Filosofia. René Descartes, um dos mais notáveis filósofos da Era Moderna, inicia sua obra Discurso sobre o Método abordando esse problema:
“O bom senso é a coisa do mundo mais bem distribuída, pois cada um pensa estar tão bem provido dele que não deseja ter mais do que já possui. Isso demonstra que o poder de diferenciar o verdadeiro do falso — aquilo que chamamos bom senso ou razão — é igual em todos os homens. A diversidade de nossas opiniões, contudo, não provém do fato de uns serem melhores do que outros, mas tão somente porque os homens não levam em consideração as mesmas coisas.”
Esta é também a conclusão da parábola dos cegos e o elefante: cada um dos homens não leva em consideração as mesmas coisas. Cada um consegue perceber apenas uma parte do animal. O fato de serem cegos — e certos da verdade — talvez seja seu maior simbolismo.
De certa forma, esse paralelo entre o filósofo francês e a parábola indiana mostra como as conclusões apressadas geram respostas erradas. Por isso, Descartes conclui em seguida:
“Não é suficiente ter a menta sã, o principal é bem aplicá-la. As maiores almas são capazes dos maiores erros, tanto quanto das maiores virtudes, e os que andam muito lentamente podem avançar muito mais, se seguirem sempre o caminho reto, do que aqueles que se apressam.”
Autor: Alfredo Carneiro – Graduado em Filosofia e pós-graduado em Filosofia e Existência pela Universidade Católica de Brasília.
Gravuras da parábola
- “Monges cegos examinando elefante”, gravura de Hanabusa Itchō (1652–1724
- “Cegos tateando um elefante”, de Ohara Donshu, Período Edo (séc. 19) Brooklyn Museum
- Imagem dos sete cegos e o elefante – livros de doutrina do Templo Jain
- “Homens cegos e o elefante” – Holton-Curry readers, 1914
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