Falácia do argumento divinizado
A falácia do argumento divinizado é uma versão religiosa da falácia do apelo à autoridade. Essa falácia é uma tentativa de criar uma premissa supostamente válida de autoridade inquestionável, que é a própria vontade de Deus. Entretanto, aquilo que está sendo colocado como “vontade de Deus”, não é uma interpretação sincera dos textos religiosos, mas sim uma duvidosa interpretação pessoal que visa justificar projetos obscuros e egoístas do argumentador.
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Milhares de pessoas aceitam essa falácia, pois envolve fatores culturais, religiosos e até psicológicos. O argumento é reforçado com teatralidade, sentimentalismo, exemplos de curas, doenças, acidentes, etc. Isso torna essa falácia muito mais do que mera argumentação desonesta, mas também um tipo de lavagem cerebral, pois, diante da exposição contínua a esses argumentos, ainda que um indivíduo desconfie da honestidade do que está sendo dito, pode temer alguma punição divina por pensar assim.
É importante enfatizar que a liberdade religiosa deve ser entendida como um direito fundamental do ser humano que faz parte da liberdade individual e subjetiva. Além disso, conforme declarou o estudioso das religiões Mircea Eliade, o ser humano tem uma dimensão que sempre tentou se relacionar com o mistério e o sagrado, sendo esse o aspecto genuíno e essencial de qualquer religião.
As religiões também promovem o acolhimento e a sensação de pertencimento a um grupo social, além do apoio aos necessitados, por isso, são instituições culturais importantes em qualquer sociedade. Todavia, a falácia do argumento divinizado surge no seio dos grupos religiosos através de indivíduos mal-intencionados que se valem da crença e da boa vontade de homens e mulheres para realizar seus próprios desejos. Não raramente, esses indivíduos tendem a divinizar a si mesmos para que sejam venerados e nunca desafiados. Por isso, quando se identifica o argumento divinizado, deve-se questionar não apenas a honestidade, mas a própria religiosidade do argumentador.
O pensador lituano-francês Emmanuel Lévinas, um dos mais notáveis filósofos do século XX no campo da ética, foi um dos principais denunciadores da divinização de argumentos na cultura ocidental. Essa divinização cria uma totalidade que comanda os indivíduos. Lévinas percebeu que, não apenas argumentos, mas também guerras, políticas e ideologias costumam ser validadas através de falácias que relacionam esses projetos com a “inquestionável” vontade de Deus. Segundo o filósofo, isso nada mais é do que disfarçar a inquestionável vontade dos poderosos.
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Autor: Alfredo Carneiro – Graduado em Filosofia e pós-graduado em Filosofia e Existência pela Universidade Católica de Brasília.