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Wittgenstein: Jogos de linguagem e os besouros nas caixas

Wittgenstein e os Jogos de Linguagem

Não é possível ler a obra Investigações Filosóficas como quem lê um livro qualquer. Os exemplos largamente utilizados por Wittgenstein nos obrigam a prestar atenção aos nossos pensamentos, nas imagens que surgem, nos sentimentos que aparecem ligados às imagens. Ler Wittgenstein já é, por si só, filosofar.

A filosofia da linguagem de Ludwig Wittgenstein é o resultado tanto da investigação de si mesmo quanto da relação entre sujeito, linguagem e mundo. Do trabalho criterioso e obsessivo deste pensador nasceu o conceito de “jogos de linguagem“, colocando em xeque qualquer “pretensão de verdade” e demonstrando a ingenuidade de nossas certezas.

As caixas com besouros é um dos vários exemplos que Wittgenstein utiliza para explicar a linguagem. Imaginemos que cada um de nós tem uma caixa e apenas o respectivo dono pode ver seu conteúdo. Dentro da caixa de cada um existe um besouro e todos afirmam que, olhando para dentro de suas caixas, estão vendo um besouro.


No entanto, cada um está vendo aquilo que denominam besouro. Posso estar vendo um besouro de uma determinada espécie, outra pessoa vê um besouro de outra espécie, outra um besouro maior ou de cor diferente.

Porém, posso afirmar  estar vendo um besouro e, na verdade, besouro para mim é um objeto qualquer, não o inseto. Posso também afirmar estar vendo um besouro mas minha caixa está vazia (posso estar mentindo). Todos, no entanto, afirmam estar vendo um besouro em suas caixas.

Neste exemplo, é impossível que uma pessoa veja o conteúdo da caixa de outra porque a caixa é uma metáfora para a mente: não podemos ver o conteúdo das outras caixas assim como não podemos ver o conteúdo de outras mentes.

O exemplo mostra que, apesar de todos afirmarem ver um besouro, não estão vendo todos a mesma coisa. Isso instaura um problema de linguagem.

A única solução é estabelecer um jogo de linguagem, onde colocamos um besouro na frente de todos e, apontando para ele, estabelecemos um significado coletivo.

Então, a única solução para esse problema é um acordo coletivo sobre as palavras, conceitos e ideias. Mas ao criar esse acordo estamos criando jogos de linguagem.

Por isso Wittgenstein recomenda que, ao ouvirmos uma palavra, não a procuremos no dicionário, mas antes perguntemos à pessoa que a disse.

Parece algo óbvio, mas, ampliando a ideia da caixa com besouros, concluímos que os grupos sociais se organizam através de jogos de linguagem. Contudo, não percebem esse fato, gerando implicações variadas.

Wittgenstein afirma que não existe “linguagem interior”, pois a essência da linguagem é dizer algo a alguém. A interioridade de cada um, para este filósofo, não é linguagem. É algo ainda não definido que deve ser investigado. Não sabemos o que é. Meu mundo interior, meus sentimentos e sensações são incomunicáveis.

Para falar alguma coisa a alguém é necessário usar palavras estabelecidas em acordos coletivos: a linguagem que aprendemos, os conceitos estabelecidos. Somente assim posso me fazer entender.

Posso até declarar minha tristeza ou alegria, demonstrar com gestos,  assim as pessoas poderão saber que sinto algo mas não o que estou sentindo. Por isso os jogos de linguagem são necessários, pois a linguagem interior não pode estabelecer acordos coletivos sobre significados.  

Para me comunicar, os “besouros” (objetos, conceitos, ideias) devem ser definidos coletivamente.

No entanto, os jogos de linguagens, que são absolutamente necessários, geram um problema filosófico: a pretensão da Filosofia de atingir verdades universais é impossível, pois ela mesma está presa em seus jogos de linguagens.

Não apenas na Filosofia, mas em qualquer grupo social, seja religioso, científico, político ou educacional, todos jogam jogos de linguagem.

Em um grupo religioso, por exemplo, um integrante pode fazer uma crítica interna, mas não pode fazer uma crítica radical que mude as “regras do jogo”, caso contrário, está fora do jogo.

Como exemplo, imaginemos os significados e sentimentos que diferentes grupos religiosos cristãos — como católicos e protestantes —  dão à palavra “Maria”. Iremos perceber que existem jogos de linguagens distintos sobre essa palavra.

Para Wittgenstein, estamos apenas jogando jogos de linguagem com regras estabelecidas coletivamente. Isso acontece com todos os grupos em que um jogo de linguagem se estabelece.

No caso da ciência, por mais que os cientistas se refiram a fatos concretos e mensuráveis, eles devem utilizar a linguagem estabelecida pela comunidade científica, caso contrário serão acusados de anticientíficos.

Cada grupo estabelece seus conceitos ostensivamente, o que significa dizer, voltando ao exemplo dos besouros, que os conceitos devem ser apontados como quem aponta para um besouro em uma mesa e afirma: “Isto é um besouro, estamos de acordo?” Contudo, ao fazer isso, criam-se as regras que aprisionam o próprio pensamento.

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 AutorAlfredo Carneiro – Graduado em Filosofia e pós-graduado em Filosofia e Existência pela Universidade Católica de Brasília.

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