René Descartes (1596- 1650) nasceu com o estigma da fragilidade. Sua mãe morreu de tuberculose poucos dias após o nascimento dele. Os médicos disseram a seu pai que o garoto também estava destinado a uma sepultura precoce, porque herdara a pálida compleição e a tosse de sua mãe.
O pai, funcionário, público em Poitiers, entregou-o à guarda de uma ama que o afastava dos jogos e brinquedos das outras crianças da aldeia. Como resultado desse excesso de cuidados, cresceu com um espírito “feminino” — dedicado, introspectivo, distante.
O pai chamava-o “o meu filosofozinho”. Aos oito anos, entrou para a escola dos jesuítas de La Flèche, onde os mestres continuaram a encorajá-lo na imobilidade do corpo e no exercício do espírito.
Permitiam-lhe ficar na cama até mais tarde, para que pudesse meditar sobre seus estudos ao passo que, os outros meninos, eram obrigados a recitar em aula as suas lições.
Como resultado dessas horas extraordinárias de lazer, não somente se mantinha em dia com os estudos que lhe eram prescritos, como também conseguia adquirir grande quantidade de conhecimentos adicionais.
Era, especialmente, apaixonado pela leitura dos clássicos, “a fim de empreender jornadas mentais”, como dizia, “pelo passado e travar conversação com os homens mais nobres de outras épocas.”
Juventude e ingresso na vida militar
Deixou a escola dos jesuítas aos dezesseis anos e empreendeu, então, uma jornada física pelo presente. Foi a Paris onde fez amizade com alguns rapazes superficiais de sua idade.
Aprendeu a frequentar jantares, a beber e a jogar. Era especialmente feliz no jogo, uma vez que baseava os seus palpites — como lhe observaram os amigos — “mais sobre os seus conhecimentos misteriosos de matemática do que sobre as leis do azar.”
Deixara para trás o estigma tuberculoso, e ficou agradavelmente surpreendido ao encontrar-se de posse tanto de um corpo sadio como de um espírito brilhante.
Deliciou-se tanto, na verdade, com o descobrimento de sua saúde que, por algum tempo, negligenciou as suas atividades mentais em benefício de suas atividades físicas.
Na primavera de 1617 (com a idade de vinte e um anos) alistou-se no exército do Príncipe Maurício de Orange nos Países-Baixos. Todavia, não era ele soldado por instinto.
Apreciava o exército como escola de exercício, mas não gostava dele como instrumento de guerra. “Os meus impulsos militares”, disse, “eram devidos a um aquecimento ocasional do fígado, que passou com o tempo.”
Recusando-se a receber o pagamento de soldado, foi desobrigado dos deveres militares. Evitava sempre que possível a luta ativa.
Durante toda a sua vida, com efeito, sempre a evitou — fosse no campo de batalha físico, fosse no campo de batalha das ideias. Não era a coragem, uma das virtudes de Descartes.
Durante dois anos conservou um interesse de amador pela vida militar, reunindo-se sucessivamente aos exércitos holandês, bávaro e húngaro — e depois voltou as costas ao militarismo para mergulhar em suas meditações. Porque “uma súbita torrente de luz” surgiu em 1619.
Início das investigações filosóficas
“Nesse ano fui visitado por um sonho que veio de cima. Ouvi o estrondo de um trovão, era o Espírito da Verdade que descia para se apossar de mim”.
Na manhã seguinte, orou a Deus para que lhe concedesse a luz. Pois a sua vida, a partir de então, deveria ser dedicada à investigação da verdade.
Procurou-a por dez anos, viajando de país a país, estudando as pessoas, lendo livros, agarrando-se, ansioso, aos fios partidos do infinito e tentando segui-los até à sua origem, anotando o resultado de seus estudos em seus livros de apontamentos.
Depois, aos trinta e três anos, recolheu-se na Holanda, “para que, no silêncio e na solidão, organizar seus pensamentos num todo consistente.”
Isolou-se, completamente afastado do mundo, ocultando, até dos próprios amigos, o local de sua residência.
Encontrara, acreditava, um fragmento da verdade. Escreveu esse fragmento nas páginas do seu primeiro livro Le Monde (O Mundo ou Tratado da Luz) — e depois não permitiu que fosse publicado, porque teve medo.
Afirmara, nesse livro, a teoria revolucionária de estar a Terra em movimento, e lembrou-se da perseguição que haviam sofrido outros filósofos e cientistas — Bruno, Campanella — homens que tinham ousado proclamar teorias revolucionárias semelhantes.
Para proteger-se contra qualquer tentação de publicar o manuscrito, remeteu-o para um local distante do país.
E foi apenas depois de sua morte que esse livro apareceu, e mesmo então, somente em parte.
Contudo, apesar de sua timidez moral — timidez devida, talvez, aos cuidados excessivos que recebera na infância — destinava-se, Descartes, a revolucionar o pensamento do mundo.
Descartes e a filosofia que revolucionou a Era Moderna
Cético por natureza e conformista por educação, desenvolveu uma nova espécie de filosofia, um templo de fé edificado com o material da dúvida. Para podermos compreender a natureza de sua filosofia, observemos às duas máximas éticas que Descartes fixou para a direção da própria vida:
- “Seguir os meus pensamentos aonde quer que me conduzam. Nisto devo proceder como os viajantes que, vendo-se perdidos numa floresta, sentem que devem continuar a caminhar o mais retamente possível, numa direção, sem divergir para a direita ou para a esquerda. Dessa maneira, se não chegarem exatamente onde pretendem chegar, atingirão, por fim, ao menos, um lugar onde, provavelmente estarão melhor do que no meio da floresta.”
- “Obedecer às leis de meu país, aderir à religião de meus pais e seguir os costumes dos homens mais sábios com os quais possa eu entrar em contato.”
Seguindo essas duas máximas, conseguiu Descartes desenvolver um sistema de pensamento que o distinguiu como “o pai da filosofia moderna.”
Essa filosofia — como vem explicada em seu Discurso sobre o Método e em suas Meditações — baseia-se no princípio da ciência. O próprio Descartes chamava-lhe o método da matemática aplicado à filosofia. Tal método inicia com a suposição científica de que não devemos aceitar nada como verdadeiro. Vejamos o que nos diz o próprio Descartes:
“Penetramos o reino da física e da metafísica com espírito pesquisador. Nem acreditamos nem deixamos de acreditar. Somos, apenas, neutros. Desejamos que as coisas nos sejam demonstradas. Entramos pela porta do ceticismo na tesouraria do mistério. E o que encontramos nessa tesouraria? Em princípio, nada. Tudo é obscuro. Somos como pessoas perdidas numa floresta. Não hesitemos, porém. Caminhemos diretamente para a frente, duvidando, examinando, verificando, procurando a verdade. Acima de tudo, devemos duvidar de tudo. Como eu desejasse entregar-me inteiramente à procura da Verdade, cuidei que me fosse necessário rejeitar como absolutamente falso o que quer, que pudesse conter, a meu juízo, a menor parcela de incerteza. E já que todos os pensamentos e imaginações que nos ocorrem quando acordados são os mesmos que podem acudir-nos enquanto dormimos, sem que nenhum deles seja, ao mesmo tempo, verdadeiro, determinei estabelecer que tudo quanto jamais entrara em meu espírito não era mais verdadeiro que as ilusões dos meus sonhos.”
Todavia, esse mesmo sonhar leva Descartes à sua primeira realidade. Pois o sonhar requer um sonhador. “O fato de eu pensar revela-me a existência de algo que pensa.”
Mas o que é esse algo? Sou eu! Cogito, ergo sum. Penso, logo existo! A minha própria dúvida demonstra a minha existência de duvidador. De outra maneira, nem a própria dúvida poderia existir. E assim, conduz o ceticismo a uma certeza: “Eu existo!”
Mas quem sou eu? A essa pergunta, dá, Descartes, uma resposta simples e lógica. Sou aquilo que duvida. Em outras palavras, sou uma, coisa, pensante, ou um espírito.
Posso duvidar que eu tenha um corpo ou que exista um mundo material onde vivo. Não posso, contudo, duvidar de minha dúvida nem da existência do meu pensamento.
Afirma então Descartes no Discurso do Método:
“Disto deduzo que sou uma substância cuja natureza toda consiste em pensar. Esse “eu”, isto é, a alma pela qual sou o que sou, é inteiramente distinta do meu corpo e é até mais fácil de ser conhecida do que o corpo; e mesmo, se o corpo não existisse, não deixaria, a alma, de ser o que é.”
E assim, pelo simples processo de pesquisar tudo, inclusive a existência do corpo, alcança, Descartes, estabelecer uma coisa — a existência da alma.
Conduziu-nos, Descartes, à tesouraria do mistério através da porta do ceticismo. Era esta, contudo, uma porta giratória, que nos fez andar à roda num remoinho vertiginoso, dando-nos, apenas, um vislumbre de nossa própria natureza refletida no espelho obscuro. Pois, tal é a natureza da metafísica, o estudo das “realidades últimas”.
Nota do Editor: O estudo da metafísica, devido à sua natureza abstrata, nos conduz a pensamentos e conclusões que não são iguais para todos. Não por acaso as religiões ao redor do mundo, por exemplo, possuem crenças diferentes uma das outras, variando de local para local. A ciência, contudo, baseada na experiência e no teste (pelo menos a ciência tradicional) tende às mesmas conclusões entre cientistas de países diferentes, que utilizam as mesmas bases científicas. Segundo Descartes, a Filosofia tinha o mesmo problema da religião, então, ele pretendia colocar a Filosofia (e a própria ciência de seu tempo) nessas mesmas bases matemáticas e racionais. E conseguiu, fundando assim não apenas a Filosofia Moderna mas também a própria mentalidade da Era Moderna, que não acredita em nada que não seja provado cientificamente.
“Sou uma coisa pensante”, afirma Descartes. Mas para pensar, é necessário ser. Sou, portanto, um ser, um espírito vivo. Esta é a primeira coisa que eu, que iniciei duvidando de tudo, posso conceber clara e distintamente como verdadeira.
Este é, pois, o primeiro fato estabelecido — o meu espírito vivo. Haverá outros fatos estabelecidos, isto é, coisas que posso conceber, clara e distintamente, como verdadeiras?
Sim, replica Descartes. Há dois fatos: a presença de meu corpo, e a existência de Deus. Meu corpo, como posso ver claramente, é uma substância. É uma substância material, assim como minha alma é uma substância pensante.
A coisa chamada “eu”, consiste de duas partes distintas — a máquina que se move, ou corpo, e a aquilo que pensa, ou alma.
Nota do Editor: Esta forma cartesiana de fazer filosofia baseada no ceticismo e na verificação criteriosamente lógica e racional tornou-se a base da investigação científica. Também a ideia de que o mundo é como uma gigantesca engrenagem mecânica, bastando para isso aplicar o método correto para compreendê-lo, é também uma ideia de Descartes.
Esta filosofia de máquina e alma é conhecida como o sistema dualístico — isto é, o sistema que divide o mundo em duas entidades separadas, o corpo e o espírito. Serve, pois, de base para as duas grandes correntes filosóficas divergentes dos tempos modernos — o empirismo e o racionalismo.
Descartes estabeleceu ele, em seguida, a realidade de seu espírito e a presença de seu corpo. Logo depois, conclui pela existência de Deus:
“O que quer que eu conceba muito clara e distintamente é verdadeiro. Refletindo sobre o fato de que a a incerteza nos assalta, compreende que existência não é perfeita. Mas de onde aprendi a pensar que existe algo perfeito? Obviamente, de alguma natureza que, na verdade é mais perfeita do que eu — uma natureza que tem, dentro em si, todas as perfeições de que eu possa fazer ideia — numa palavra, Deus.”
Somente aquilo que é perfeito pode ser atribuído a Deus. Não pode haver imperfeição nele. A dúvida, a inconstância, a tristeza, a cólera, o ódio — não são atributos de Deus, já que são qualidades cuja ausência nos faria mais felizes. Isto é, são qualidades imperfeitas, a marca da humanidade e não da divindade.
Nota do Editor: Esta ideia de Descartes ficou conhecida como “argumento da marca impressa”, que afirma que não somos uma “tabula rasa”, ou apenas uma folha de papel em branco onde a experiência escreve. Para Descartes nós possuímos ideias inatas, e entre elas, a ideia de Deus, de onde vem nossa ideia de perfeição. Essa é uma das ideias fundamentais do Racionalismo, uma das principais correntes filosóficas da Filosofia Moderna.
Este fato da existência de um Deus perfeito — afirma Descartes. — “iguala, em certeza, os fatos demonstrados da geometria.” Deus é a ideia de perfeição que conduz os nossos passos imperfeitos. Este é, portanto, o retrato da humanidade feito por Descartes — um corpo mecânico tendo dentro uma alma guiada pela ideia de perfeição (ou a ideia de Deus).
Nota do Editor: Posteriormente alguns filósofos chamaram esta ideia de “fantasma na máquina”, tornando-se assim um conceito popular e fruto de muitos debates filosóficos sobre a alma e o corpo.
A vida cotidiana e a filha de Descartes
Era, para Descartes, tarefa relativamente fácil permitir que fossem, os seus passos, guiados para a luz através do caminho da contemplação tranquila, pois não o afligia a luta econômica pela existência. Quando o pai morreu, herdou rendimento suficiente para levar uma vida de conforto. Nunca se casou.
O curso de sua vida seguia em preguiçosa corrente, isenta de acontecimentos notáveis. Comia bem, dormia bem — ainda dormia até tarde, pela manhã — e vivia bem.
De vez em quando, fazia viagens ao exterior, mas a maior parte do tempo ficava em casa e “conversava” com os amigos por meio de sua correspondência.
Dizia-lhes de seus descobrimentos filosóficos, do “prazer que experimentava na solidão de sua residência,” de sua boa sorte em escapar às várias doenças que afligiam “a maioria da humanidade”.
Assim passava os seus dias indolentes, meditativos e, “amando a vida e não temendo a morte”.
Na realidade, considerava-se agora (com a idade de quarenta e quatro anos) “mais distante da morte que quando moço”. A sua saúde e os seus dentes, escrevia aos amigos, eram excelentes: havia mais de trinta anos que “nada sofria que pudesse ser chamado enfermidade”.
Foi, então, que recebeu o primeiro golpe real em sua vida. Fizera-se pai de uma criança ilegítima, Francine, que ele passou a adorar acima de tudo. Planejava levá-la para a França, onde poderia ser educada como “uma senhora distinta,” quando ela, subitamente, morreu.
Refere-nos o seu biógrafo Adrien Baillet, que “ele chorou pela criança de tal forma que a ideia da eternidade podia, alguma vez, ser extinguida pela dor do momento”.
Entretanto, após o seu sofrimento recolheu-se de novo à cidadela de seus pensamentos. Comprou uma bela propriedade agrícola pouco distante de Leiden e apenas a “duas horinhas” do mar.
Servido por “uma quantidade suficiente de criados bem escolhidos,” sentava-te em seu escritório octogonal, olhando para um velho jardim pitoresco e sonhando os seus sonhos céticos.
Era a perfeita figura de um filósofo — pequeno, magro, a cabeça grande, os cabelos pretos chegando quase às sobrancelhas, pálido, um lenço de seda preta para proteger a garganta contra o frio e um casaco preto. Para complementar esta pequena estatueta filosófica, trazia um sorriso enigmático nos lábios e uma luz misteriosa no olhar.
Ao sair de casa colocava uma cabeleira e calçava meias de lã sobre os calções. Porque temia o efeito da menor mudança de temperatura sobre “a herdada fraqueza” de seu peito. Em virtude do medo dessa fraqueza pulmonar, passou a ficar cada vez mais em casa, à medida que envelhecia.
O convite da Rainha Cristina da Suécia
Foi, portanto, com mistas emoções que recebeu uma carta da Rainha Cristina da Suécia, convidando-o para morar em seu país e ensinar-lhe Filosofia.
O clima da Suécia era tanto ou mais severo que o da Holanda. Poderia ser perigoso demais para a sua saúde. Mas, de outro lado, o favor de uma rainha não era de se desprezar, nem mesmo por parte de um filósofo.
E a Rainha Cristina era uma mulher que geralmente conseguia o que queria. Tendo perdido seu pai Gustavo Adolfo, com a idade de seis anos, tivera uma educação masculina, pois o Rei Gustavo expressara, ao morrer, o desejo de que o seu país “fosse governado por uma rainha que agisse como homem e não por um rei que governasse como uma mulher”. E Cristina, em verdade, governava como um homem.
Desdenhava as delicadezas do trajar. Uma cabeça desgrenhada sem coroa, saias curtas e camisas, sapatos rasos de saltos baixos — tal era a sua indumentária cortesã.
Mas o seu caráter era firme como o aço, e o seu corpo tão forte como o caráter. Comia pouco, dormia pouco e exercitava-se como um soldado que se preparasse para a luta.
Era capaz de galopar dez horas sobre um cavalo sem se cansar, era capaz de suportar o calor e o frio com igual indiferença e atirava com precisão mortal, fosse a pé, fosse a cavalo.
Em adição às suas proezas físicas, tinha também um espírito multiforme. Hábil linguista, conversava fluentemente em sueco, francês, italiano, espanhol e alemão — isso, sem mencionar o latim e o grego.
Não se contentava com tinturas de ciências, e possuía um genuíno amor à Filosofia. Unindo esta notável combinação de nervos e músculos, havia nela uma vontade indomável.
Reiteradamente recusou-se, Descartes, a aceitar-lhe o convite. Enviou-lhe cartas cheias de enjoativa lisonja, assegurando-lhe que “Sua Alteza Real fora mais criada à imagem de Deus que o resto da humanidade.”
Ela pedia-lhe, contudo, que Descartes aceitasse do privilégio de “esquentar-se aos raios do sol de sua Graciosa Presença.” A honra ser convidado pela rainha era esmagadora.
No entanto, “depois de vinte anos de solidão, e já não sendo jovem, solicito a Vossa Alteza Real que me poupe a desnecessária fadiga da jornada.”
Mas Sua Alteza Real não tencionava poupá-lo. Decidira trazer o célebre filósofo para o seu “país de ursos entre rochas de gelo.” E conseguiu. Em Setembro de 1649 partia Descartes para a Suécia. E também para a morte.
Últimos dias de René Descartes
Quando de sua chegada a Estocolmo, encontrou Descartes, não somente a severidade do clima sueco como, também a teimosia de vontade de Cristina. Entendendo a rainha que o seu espírito era mais receptivo à Filosofia nas primeiras horas da manhã, insistia para que Descartes chegasse ao palácio antes do nascer do sol, todos os dias.
Essa jornada pelas nevascas rigorosas do inverno do norte foi demasiado para um filósofo acostumado ao luxo de demoradas meditações matutinas numa cama quente. “Neste país” queixava-se ele, “o sangue gela na veia como a água nos rios.”
Suportou essa vida durante algumas semanas apenas. Uma manhã, em meados do inverno, ao caminhar para o palácio, apanhou fortíssimo resfriado.
Dois dias depois, declarou-se a pneumonia. A rainha mandou-lhe um médico alemão mas Descartes não confiou nele. Quando o médico se ofereceu para sangrá-lo, exclamou: “O senhor não derramará nenhuma gota de sangue francês!”
Quando, finalmente, se submeteu à sangria era tarde demais. Em 11 de Fevereiro de 1650 Descartes murmurou no leito: “São horas da alma levantar-se, sou uma alma viva em busca da Verdade.” E logo depois, faleceu.
Autor: Henry Thomas Schnittkind
Texto original extraído do livro “Vida de Grandes Filósofos”, 1944, de Henry Thomas e Dana Thomas. Editora Livraria do Globo.
Adaptações, links e notas incluídas pelo editor do netmundi.org
Outras Referências Bibliográficas
- DESCARTES, René. Discurso do método, meditações e outras obras. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
- BURTT, Edwin A. As bases metafísicas da ciência moderna. Brasília: UnB, 1983.
- DESCARTES, René. Meditaçóes sobre Filosofia Primeira. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2004
- THOMAS, Henry. Vida de Grandes Filósofos, xx: Editora Globo, 1944
Texto complementar: O Método de Descartes
A filosofia de Descartes pretende separar o conhecimento seguro do incerto. Ou de tornar sólidas nossas crenças para que atinjam o status de conhecimento.
De todas as disciplinas com que teve contato, diz ele, apenas a matemática, “por causa da certeza e da evidência de suas razões”, mostrou-se promissora.
O exemplo a ser seguido é o da matemática, que apresentava as características necessárias de uma ciência segura e certa, servindo de modelo e parâmetro. Baseado nessa ideia, desenvolveu seu método de investigação filosófica.
Este método que amplia gradativamente o conhecimento é também conhecido como Dúvida Metódica.
Os passos a seguir estão descritos na obra Discurso sobre o Método, e constituem sua parte mais conhecida. Contudo, a Dúvida Metódica não se resume a estes passos, pois corresponde (de forma mais ampla) a uma postura criteriosa de investigação filosófica.
O método de Descartes:
- Jamais aceitar como verdadeira coisa alguma que não estivesse tão clara à minha mente que não restasse dúvidas de sua verdade.
- Dividir cada dificuldade em tantas partes quanto o possível e necessário para resolvê-las.
- Organizar meus pensamentos, iniciando pelos assuntos mais fáceis e simples e progredindo gradativamente até os mais complexos.
- Fazer, para cada caso, enumerações e revisões até que estivesse certo de não ter omitido nada.
Por fim, Descartes afirma a fé em seu método: “Agindo assim, não existirão (verdades) tão distantes que não possam ser alcançadas, nem tão escondidas que não sejam descobertas”.
O método cartesiano, como pode ser observado acima, é apenas uma lista de quatro etapas. Descartes inaugurou uma nova forma de pensar e investigar o mundo que influenciou de forma decisiva a Filosofia Moderna e o método científico.
Nossa forma atual de pensar é ainda cartesiana, ou seja, tudo deve passar por um método, ser explicado e avaliado racionalmente para, somente então, fazer parte do conjunto de nossas crenças.
Autor: Alfredo Carneiro
Frases de René Descartes
- “Penso, logo existo.”
- “É necessário que ao menos uma vez na vida você duvide, tanto quanto o possível, de todas as coisas.”
- “Tomei a decisão de fingir que todas as coisas que estão em minha mente não são mais reais que as ilusões de meus sonhos.”
- “Achei melhor modificar antes meus desejos do que a ordem do mundo.”
- “Não existindo possibilidade de diferenciar as opiniões verdadeiras, devemos adotar as mais prováveis.”
- “O excesso de leis dá desculpas ao vício. Um Estado é muito melhor organizado quando, possuindo poucas leis, elas são rigorosamente observadas.”
- “É bom saber alguma coisa dos costumes dos outros povos, para que melhor julguemos os nossos e não achar que tudo o que contraria nossos hábitos seja ridículo, como fazem aqueles que nada viram.”
- Confira mais frases do filósofo francês aqui no netmundi: Descartes – Pensamentos & imagens.
Livros de Descartes
- Regras para a direção do espírito, 1628
- O Mundo ou Tratado da Luz, 1633
- Discurso sobre o método, 1637
- Geometria, 1637
- Meditações Metafísicas, 1641
- Princípios de Filosofia, 1644
- As Paixões da Alma, 1649