Percepção da realidade – perspectivas filosóficas
Os filósofos durante séculos vêm discutindo os modos como podemos conhecer o mundo exterior. Os argumentos refletem uma preocupação quanto à validade das experiências sensoriais e sua relação com nossas crenças. Embora o entendimento do mundo venha da informação captada pelos nossos sentidos, podemos confiar nos sentidos para conhecer a verdade? Não podemos estar iludidos em relação ao mundo? Qual a importância da percepção da realidade para a Filosofia?
Talvez, como Platão sugeriu no Livro VII da República, sejamos como prisioneiros numa caverna, isolados do mundo de tal forma que só podemos ver sombras do mundo exterior. A importância de pensar sobre a percepção pode ser medida pelo tratamento que alguns dos mais proeminentes filósofos deram à visão:
- Segundo Platão, a diferença entre o filósofo e o homem comum estava justamente na visão completa das ideias. Segundo o mito da “parelha alada”, encontrado no Diálogo Fedro, o filósofo é aquele que num mundo anterior, antes que sua alma habitasse um corpo humano, tivesse percebido as essências (ou ideias) com maior atenção. Assim, a mera visão (no sentido puramente fisiológico) é limitada e nos apresenta apenas as sombras das coisas, enquanto a visão filosófica e completa nos apresenta a essência das coisas.
- Descartes questionava todo e qualquer conhecimento adquirido pela percepção por meio dos cinco sentidos, e foi justamente essa desconfiança que deu origem a sua filosofia. Para o filósofo, a informação que percebemos tanto pela visão quanto pelas demais formas de percepção poderiam facilmente nos enganar, chegando a acreditar que confundimos inclusive o que é sonho ou realidade. Na busca pelo conhecimento verdadeiro, Descartes deu origem ao racionalismo, corrente filosófica que acreditava que apenas a razão pode nos dar certezas absolutas, já que os sentidos nos enganam.
Percepção da realidade: ilusão e ambiguidade
Sabemos que podemos ser enganados às vezes por ilusões visuais. Sabemos que as pessoas enxergam de modo diferente devido a problemas como miopia, hipermetropia, daltonismo ou astigmatismo e que as visões dos objetos podem ser diferentes de acordo com a hora do dia. O estudo da visão humana pode ser feito pelo seu lado anatômico, fisiológico ou até mesmo psicológico, entre outros.
Certamente nossa percepção é diferente de quem convive em contato com diferentes ambientes, como os indígenas ou os esquimós. Também podemos investigar como o contato com a televisão, o cinema, a fotografia, o computador e outras tecnologias alteram nossa percepção da realidade e as interpretações que fazemos do mundo.
Quando vemos, ouvimos, sentimos, e os sentidos correspondem àquilo que realmente é, dizemos que percebemos a realidade. Contudo, podemos nos enganar se houver ilusões ou mesmo alucinações. As ambiguidades da percepção geram problemas de linguagem, pois falamos de uma coisa achando que é outra, como no caso da imagem do “pato-coelho” acima.
Algumas posições filosóficas
Então, ao atentarmos para a relação entre percepção e realidade, percebemos que as sensações sozinhas não são capazes de prover uma descrição única e segura do mundo. Abaixo temos algumas posições filosóficas para sobre esse tema:
- Existe o chamado realismo ingênuo – geralmente defendido pelo senso comum. Diante da pergunta: “Por que o mundo aparece para você dessa maneira?”, o realista ingênuo responderá: “Porque o mundo é desta maneira”. Porém, pessoas diferentes têm experiências do mesmo acontecimento de maneira diferente. Por exemplo, jovens ouvem alguns sons que adultos não conseguem ouvir; pessoas de culturas diferentes interpretam o mesmo fato de forma diferente e algumas pessoas são insensíveis a odores que outros percebem. Afinal, todos vivem no mesmo mundo físico? Para o realismo ingênuo ser válido, os nossos mundos perceptivos deveriam ser idênticos, e isso raramente ocorre.
- Temos o idealismo subjetivo, que considera o mundo físico como produto da mente. Aqui vemos a posição filosófica de George Berkeley, que resume a ideia na expressão “ser é perceber”. Quando levada ao extremo, essa posição leva ao solipsismo – ideia de que só a nossa mente existe e que todos os outros objetos no mundo são percepções da nossa mente.
- Para René Descartes, John Locke, Berkeley, David Hume e Immanuel Kant, o mundo que vemos não é o mundo real, mas apenas uma representação interna gerada pela mente.
Se rejeitarmos essas ideias, o que devemos aceitar quanto às relações entre as nossas percepções e o mundo real? Acreditamos que a existência do mundo real não depende de um observador e reconhecemos a contribuição do próprio observador para o processo da percepção e do entendimento. Então, para compreender a importância da percepção da realidade, temos que levar em consideração não apenas as propriedades do mundo físico, mas também as características de cada observador.
Não apenas nossas características fisiológicas influenciam a percepção do mundo, mas também nossas condições psicológicas, culturais, educacionais, religiosas, etc. Todas essas coisas são filtros que modificam individualmente a percepção da realidade, a linguagem e o entendimento.
Se por um lado — em condições ideais — todos experimentam fisicamente o mundo da mesma forma, por outro, no campo da subjetividade, nenhum ser humano experimenta o mundo de forma igual. Filosoficamente falando, se ignorarmos esse fato, corremos o risco de acreditar que nossas ideias valem para todos, quando na verdade podem servir apenas para nós mesmos. Ou nem isso.
Texto extraído do livro Filosofar e Viver, de Silvio Wonsonvicz, e adaptado pelo editor do netmundi.org
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