Vivemos uma cultura utilitarista, então, esta é uma pergunta natural: “Para que serve a Filosofia?“. A Filosofia é útil, porém, de uma forma diferente do que espera o senso comum. Sua “utilidade” está no desenvolvimento da razão, da interdisciplinaridade e da autonomia.
A Filosofia exige reflexão, estudo constante, domínio da linguagem, diálogo, conhecimento de lógica e experiência de vida. No entanto, essas também são características exigidas de muitos profissionais — como jornalistas, médicos, advogados e cientistas. A diferença está no seu objeto de estudo, que é a própria condição humana, pois sem esse entendimento as coisas úteis nunca são bem aplicadas.
Nesse aspecto, Michel de Montaigne foi enfático:
“A ciência é coisa importante e útil, os que a desprezam demonstram estupidez. No entanto, ela não tem o poder de nos tornar sensatos.“
— Montaigne
Filosofia e interdisciplinaridade
A Filosofia é interdisciplinar, ou seja, atravessa todos os saberes. Se aprendemos matemática, física, química, geografia, história, arte e literatura, devemos também pensar sobre as relações entre esses conhecimentos.
O debate interdisciplinar, seja nas escolas, nas universidades ou na sociedade, torna visível o tecido comum que une todos os saberes, conforme explicou o filósofo Edgar Morin sobre o conceito de pensamento complexo.
A habilidade de conectar saberes enriquece o conhecimento acadêmico e profissional; auxilia no surgimento de ideias originais. Sobre isso, Arthur Schopenhauer escreveu:
“Na escrita, a primeira regra do bom estilo, uma regra que basicamente se basta sozinha, é que se tenha algo a dizer.”
— Schopenhauer
A interdisciplinaridade permite criar novas perspectivas. Os bons profissionais quase sempre têm livros de Filosofia em suas estantes e se interessam por vários assuntos.
Steve Jobs, fundador da Apple, é típico exemplo: foi um dos primeiros a insistir na relação entre design e tecnologia. Não por acaso disse que, se fosse possível, daria tudo o que tinha para conversar com Sócrates.
Sigmund Freud em sua busca por soluções para o sofrimento psíquico inspirou-se na obra do filósofo Friedrich Nietzsche para criar a Teoria do Inconsciente e recorreu à mitologia grega para simbolizar distúrbios psicológicos.
Por outro lado, o indivíduo que não percebe as relações entre os vários tipos de conhecimentos não apenas vai perguntar para que serve a Filosofia, mas também vai perguntar para que serve qualquer coisa que não julgue útil.
Filosofia e autonomia
Ler e praticar Filosofia não tem relação com utilidade, mas com o pensamento próprio: a autonomia.
O caráter utilitarista de nossa cultura insiste na constante atividade. Devemos alternar do trabalho para a diversão; somos bombardeados pela propaganda e estimulados a consumir.
Por isso o indivíduo mergulhado no cotidiano estressante, sem tempo para si mesmo, é aquele que pergunta: “Para que serve a Filosofia?”, afinal, não é algo rentável ou mensurável. Ou melhor, não é algo que favorece o consumismo irrefletido.
Para o sujeito sem autonomia, o engenheiro não é útil porque constrói; o médico não é útil porque salva vidas. Ele valoriza essas profissões porque são lucrativas.
“A vida dedicada a ganhar dinheiro é uma vida forçada, e a riqueza não é, obviamente, o bem que procuramos. A riqueza é coisa útil, nada mais, e deve ser desejada no interesse de outra coisa”
— Aristóteles
Profissionais brilhantes não estão buscando rentabilidade — ela é consequência natural — mas autonomia para encontrar soluções. Por isso Immanuel Kant afirmou que a falta de autonomia é um “estado de menoridade”:
“A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é culpado desse estado de menoridade se a causa for a falta de coragem de pensar sem a direção de outra pessoa. Ousa pensar! Tem coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o lema do esclarecimento.”
— Kant
Arthur Schopenhauer acrescenta ainda que existe a “ignorância degradante”: é aquela desenvolvida pelos indivíduos que, mesmo tendo condições materiais para desenvolver sua autonomia, dedicam-se a futilidades.
“O homem pobre é sujeitado pela necessidade; no seu caso o trabalho ocupa os pensamentos, porém, aqueles que têm condições e não desenvolvem autonomia, dedicando-se a futilidades, mergulham na ignorância degradante.”
— Schopenhauer
Autor: Alfredo Carneiro – Graduado em Filosofia e pós-graduado em Filosofia e Existência pela Universidade Católica de Brasília.
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