Os mitos foram as primeiras tentativas da humanidade de compreender o mundo. As primeiras culturas, surgidas em 10.000 a.C, buscavam compreender a realidade recorrendo ao pensamento mítico. Todas as civilizações antigas basearam suas culturas nos mitos, como as civilizações grega e egípcia. É importante enfatizar que, aquilo que chamamos mitologia, correspondia a uma verdade intuída expressa de forma simbólica.
A civilização grega teve sua mitologia registrada pelas obras do poeta Homero (Ilíada e Odisséia), que compilou séculos de histórias difundidas oralmente na Grécia. O mito era a forma superior de entendimento da realidade e transmissão de conhecimentos até o surgimento da filosofia e posteriormente da ciência, que colocaram a razão e o conceito acima da mitologia.
Todavia, é um erro considerar o mito uma explicação ultrapassada ou uma explicação fantasiosa da realidade.
Um exemplo disso é o mito da deusa Atena, deusa da sabedoria e da justiça, nascida da cabeça de Zeus, seu pai. Fica implícito nesse mito que a sabedoria e a justiça nascem da cabeça — da reflexão e do pensamento. Existe ainda poesia: a sabedoria nasce da cabeça de um deus, ou seja, aquele que reflete sobre o mundo (o sábio) se assemelha a um deus (como declarou Sócrates) e faz nascer a sabedoria. A ciência moderna afirma que nosso pensamento vem do cérebro (da cabeça), mas a mitologia grega já sugeria isso desde a antiguidade.
O filósofo franco-argelino Albert Camus recorreu ao mito de Sísifo para retratar a condição que a modernidade se encontra, comparando nossa vida cotidiana à condenação que os deuses deram a Sísifo por sua desobediência.
Nesse mito, Sísifo é obrigado a empurrar uma enorme pedra para o alto de uma montanha e, ao chegar ao cume, a pedra rola novamente montanha abaixo e Sísifo deve descer a e trazê-la de volta. Esse processo se repete por toda a eternidade. “Os deuses devem ter dado este castigo a Sísifo por entenderem que não existe condenação pior que o trabalho inútil“. Tal é a interpretação final de Albert Camus sobre o mito de Sísifo, fazendo uma comparação com o estilo de vida e o trabalho da atualidade.
A modernidade fundada por Descartes estabeleceu o “eu” como constituinte do mundo e a razão como soberana, mas Sigmund Freud mostrou que a razão nunca esteve no comando; o “eu soberano” não passa de uma marionete de forças interiores irracionais. Freud utilizou os mitos para demonstrar o funcionamento do inconsciente e mostrou que nossa mente está povoada de forças invisíveis que governam nossas vidas pelos bastidores.
Freud recorreu ao mito de Édipo para explicar a paixão patológica do filho pela mãe e o mito de Narciso para ilustrar a vaidade desmedida, afirmando que forças arquetípicas e inconscientes decidem por nós. Somos movidos por amor, sexo, ódio e paixão, temas explorados pelos mitos desde as civilizações antigas.
O filósofo alemão Friedrich Nietzsche afirmou que a razão moderna é “aleijada”. Recorrendo aos mitos gregos, Nietzsche afirmou que a alma humana é formada pela dualidade razão e desrazão, comparando-a com os irmãos Apolo e Dioniso: um é beleza e limite e outro é embriaguez e loucura. O homem saudável é aquele que consegue equilibrar essas duas forças. O homem moderno, por sua vez nega seu lado irracional, tornando-se, segundo o filósofo, doente, moralista e medíocre.
A mitologia grega tem importância especial para o homem moderno, já que faz parte das bases culturais da Grécia Antiga, o berço da civilização ocidental e da razão moderna. O conhecimento mais amplo da mitologia corresponde à exploração de si mesmo e dos fundamentos de nossa mente coletiva.
A razão de nosso tempo, preocupada apenas com medidas e limites, nos impede de compreender os sofisticados conhecimentos e sabedorias contidos nos mitos.
Segundo Freud são eles que simbolicamente estão no comando, sugerindo que o controle exercido pelo “eu” e pela razão é uma ilusão.
Autor: Alfredo Carneiro