Nietzsche: Vontade de Verdade e Vontade de Potência
A Vontade de Potência é um dos conceitos centrais do pensamento do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), que através dele irá construir sua crítica à filosofia ocidental e ao cristianismo. No entanto, para entender a Vontade de Potência é necessário compreender antes seu conceito oposto: a Vontade de Verdade.
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Vontade de Verdade
Segundo Nietzsche, a Vontade de Verdade é aquela se manifesta na Filosofia a partir de Platão como desprezo pelo mundo, fazendo o homem voltar-se para um suposto além-mundo: o mundo das ideias perfeitas, conforme surge na Alegoria da Caverna, um dos maiores símbolos do pensamento platônico.
O filósofo afirma que isso criou uma suposta valorização espiritual que afasta o homem da realidade, tornando-o fraco e manipulável, pois barra o fluxo de vontades e desejos individuais.
Conforme Nietzsche argumenta, os primeiros filósofos buscavam a unidade da natureza, criando um pensamento cheio de símbolos e mitos que unia razão, vida e realidade. Tudo isso trazia sentido para a vida, se ligando às experiências únicas de cada indivíduo.
Após Platão, a Filosofia se volta para um mundo espiritual e abstrato, tornando-se “busca pela verdade”, que para Nietzsche é um objetivo falso que impede o fluxo da vida, pois trata-se de uma “verdade universal” colocada como o mais elevado objetivo do homem, relegando as profundas necessidades individuas a um tipo de individualismo mesquinho.
A partir de então, o Ocidente foi tomado por uma Vontade de Verdade que atenta contra a vida, pois os valores difundidos, frutos dessa “única verdade” ou “único caminho”, seriam, para Nietzsche, uma doença que enfraquece os homens, gerando personalidades sem vontade forte, inspiração ou criatividade.
Assim, a Vontade de Verdade é uma mentira; um caminho errado tomado pela Filosofia que influenciou todo o resto — arte, cultura, religião e política.
O cristianismo seria um desdobramento do platonismo, uma vez que o filósofo medieval Santo Agostinho (354-430) declarou que Cristo era o Sumo Bem que Platão antevira. Desde seu estabelecimento na Europa, o cristianismo é herdeiro desse filósofo grego e sua concepção de “verdade única” e “único caminho”. É também o início dos ataques morais contra os espíritos livres, que são as pessoas que não seguem a moral de rebanho.
Vontade de Potência
A Vontade de Potência, segundo Nietzsche, é o impulso mais fundamental do Ser. Não se trata apenas do desejo de viver, mas de viver plenamente. É uma vontade que se volta para este mundo, para o fluxo de imagens fortes e individuais que nos liga à vida; que nos dá força e objetivo.
Exemplos de vivências poderosas podem ser nossas experiências infantis, a emoção do filho no colo, aquele trem de brinquedo do qual lembramos ao ver um trem de verdade. São nossas experiências intensas e emocionantes, boas ou não, que direcionam nossas ações.
Nietzsche afirma que todo ser deseja aumentar seu poder de ação, e não “saber a verdade” — um objetivo que afasta a autenticidade pois almeja respostas universais. As coisas que fazem nascer a força da vontade são diferentes em cada um; se ligam às vivências e características individuais.
A Vontade de Potência significa, principalmente, se voltar para esta vida que cria identidade e nos direciona com coragem para o futuro, ainda que trágico e finito — e não para a “vida eterna” ou “verdade universal”, que no fundo carregariam sempre, nas palavras de Nietzsche, uma “moral de escravo ou de rebanho”. A vida daquele que tem Vontade de Potência é trágica, pois é elevada e chegará ao fim. Já a vida daquele que tem Vontade de Verdade, ou seja, vontade fraca, é dramática, pois sofre por coisas mesquinhas e vigilância moral.
Colocar diante de todos uma “única verdade” é nivelar os homens por baixo, deixando de lado a diferença que traz inúmeras possibilidades criativas. Sobre isso, Nietzsche afirmou que “os homens não não iguais; nosso desejo é possuir nada em comum“.
Quem vive a vida autêntica não deseja outra vida senão aquela mesma por toda a eternidade. Essa ideia é base do conceito nietzschiano de “eterno devir”, inspirado em Heráclito, em que o filósofo alemão nos pergunta: “A vida que vivemos é a vida que gostaríamos de viver por toda a eternidade?”. Caso a resposta seja negativa, devemos buscar aquilo que nos traz Vontade de Potência.
Desta forma, seria razoável supor que, se alguém perguntasse a Nietzsche qual o sentido da vida, talvez ele respondesse que isso não importa, pois o que importa mesmo é o sentido que damos à nossa própria vida, sendo essa a única tarefa filosófica realmente importante.
Na obra Assim Falava Zaratustra, Nietzsche recomenda prestar atenção às imagens (lembranças, imaginações, inspirações, etc) como uma bússola orienta nossas ações:
“Meus irmãos, prestai atenção em qualquer um dos momentos em que vosso espírito quer falar em imagens. Ali está a fonte de vossa virtude. É então que vosso corpo se eleva e ressuscita. Com sua alegria arrebata o espírito para que se torne aquele que cria, que avalia, que ama e benfeitor de todas as coisas.”
Essas imagens correspondem aos impulsos fundamentais que se ligam à vida autêntica.
Nietzsche afirma que as inspirações que surgem de nossos impulsos fundamentais não devem ser avaliadas a partir da “moral de escravo”, que é a própria cultura ocidental com suas religiões e seus discursos falsos que classificam o bem e o mal arbitrariamente. Essa é a origem de sua famosa frase: “Aquilo que se faz por amor está sempre além do bem e do mal”.
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Autor: Alfredo Carneiro – Graduado em Filosofia e pós-graduado em Filosofia e Existência pela Universidade Católica de Brasília.