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Nietzsche e o eterno devir: “Viva o melhor possível e, só então, morra”

Nietzsche e o eterno devir

O filósofo alemão Friedrich Nietzsche nos pergunta se a vida que vivemos é a vida que escolheríamos viver eternamente. Chamou esta ideia de “eterno devir” em referência ao filósofo grego Heráclito. Se nossa resposta é negativa, resta a pergunta final: por que então vivemos assim?

Por isso Zaratustra personagem da obra prima de Nietzsche condena a mediocridade e exorta as pessoas a serem melhores do que são; a se descobrirem, se excederem. Se o mundo é  “eterno retorno do mesmo”, que sejamos então, eternamente, nossa melhor versão.

Nietzsche adota uma antiga visão grega: a realidade não é linear; não houve início; não haverá fim definitivo como ocorre na visão judaico-cristã. O mundo é eterno ciclo, sempre existiu. Do fim segue-se o início, eternamente. Panta Rhei (tudo flui), declarou Heráclito.  Tal é a ideia do “eterno devir”.

Este Trecho do livro A Cura de Schopenhauer, de Irvin D. Yalom aborda a ideia do “eterno devir” de forma clara, poética e didática:

Certa noite, sem conseguir dormir e precisando se animar um pouco, foi mexer nos livros da biblioteca. Não encontrou nada na sua área que pudesse, mesmo remotamente, aliviar sua situação, nada que dissesse como uma pessoa deveria viver, ou encontrar sentido nos dias de vida que ainda lhe restam. Viu então um exemplar bastante manuseado de Assim Falava Zaratustra, de Nietzsche. Conhecia bem aquele livro: décadas antes, ele o tinha estudado muito quando escrevia uma artigo sobre a grande, mas não reconhecida, influência de Nietzsche sobre Freud.  Achava Zaratustra um livro corajoso, que, mais que qualquer outro, ensina como reverenciar e celebrar a vida. Sim, podia ser a resposta. Ansioso demais para ler com método, percorreu as páginas aleatoriamente e leu algumas linhas que estavam sublinhadas.

Entendeu que as palavras de Nietzsche significavam que era preciso escolher a sua vida – ele tinha de usufruí-la em vez de ser “usufruído” por ela. Em outras palavras, tinha de amar seu destino. E, acima de tudo, havia  a pergunta que Zaratustra sempre fazia — se gostaríamos de repetir a mesma vida eternamente. Uma ideia curiosa e, quanto mais Julius pensava nela, mais seguro se sentia: a mensagem de Nietzsche para nós era viver de forma a querer a mesma vida sempre.

Continuou folheando as páginas e parou em dois trechos bem sublinhados com tinta rosa “Complete sua vida.”  “Morra na hora certa.”

Isso mesmo. Viva o melhor possível e, só então, morra. Não deixe nada por viver. Julius comparava as ideias de Nietzsche a um teste de Rorschach, pois tinham tantos pontos de vista opostos que a conclusão dependia de quem lesse ou, no teste, de quem olhasse. Por mais que Zaratustra exaltasse, até glorificasse a solidão, por mais que exigisse o isolamento para poder pensar, ainda assim estava preocupado em amar e exaltar os outros, em ajudá-los a se aperfeiçoar e se exceder, em compartilhar com eles sua maturidade.

Colocou o livro de volta na estante, sentou-se no escuro e ficou olhando pela janela o farol dos carros, pensando nas palavras de Nietzsche. Após alguns minutos, conseguiu: descobriu o que fazer e como passar seu último ano de vida. Iria viver exatamente do mesmo jeito que o ano anterior e o antes do anterior. Gostava de ser terapeuta, gostava de se ligar a outras pessoas e ajudar a trazer algo à vida.

AutorAlfredo Carneiro – Graduado em Filosofia e pós-graduado em Filosofia e Existência pela Universidade Católica de Brasília.


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