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A natureza humana segundo os grandes filósofos

Os maiores filósofos da história e a natureza humana

A natureza humana é um típico problema filosófico. A história da filosofia está permeada de propostas acerca deste tema. Muitos filósofos, educadores, intelectuais e governos baseiam suas obras e projetos em torno de uma determinada ideia sobre o que é o homem. O próprio senso comum tem uma certa ideia sobre isso, que varia de acordo com a região do mundo, cultura, religião e momento histórico. Sem uma ideia unívoca sobre o homem, estaremos sempre elaborando teorias, políticas e projetos falhos.

“Conhece-te a ti mesmo”. Esta era a inscrição na entrada do oráculo de Delfos e também umas das principais mensagens dos diálogos platônicos. Para Sócrates, este conhecimento seria de tamanho valor que valeria a pena dedicar toda sua vida à filosofia.

O fato desconcertante é que, até hoje, não existe uma concepção estabelecida. Não sabemos se possuímos bondade intrínseca ou, sem a correta orientação, nos tornamos cruéis e perversos. Abandonamos a recomendação do oráculo de Delfos — e de vários filósofos da antiguidade — e nos lançamos à investigação do mundo antes de sabermos quem somos. Após séculos de guerras e crueldade, Sócrates, o grande herói dos diálogos platônicos, parece fazer mais sentido.

“Ainda não cheguei a ser capaz, como recomenda a inscrição délfica, de conhecer a mim próprio. Parece-me ridículo, pois, não possuindo eu ainda esse conhecimento, que me ponha a examinar coisas que não me digam respeito. Não são as fábulas que investigo: é a mim mesmo.” — Sócrates

Para compreender a importância da natureza humana para a filosofia, selecionamos vários filósofos que, ao longo da história, construíram seus projetos baseados em uma determinada concepção de homem. Contudo, apesar da longa tradição de reflexão sobre o tema, a natureza humana permanece um problema filosófico.

Heráclito de Éfeso (535 a.C – 475 a.C)

Os primeiros filósofos não diferenciavam o homem da natureza, o que indicaria que a constante mutabilidade da natureza é também uma característica humana.

Heráclito, um dos primeiros filósofos da tradição ocidental, afirmou que o homem é tão mutável quanto o cosmos no qual está inserido, não havendo distinção entre um e outro. Por isso afirmou que “o mesmo homem nunca se banha no mesmo rio, pois outras são as águas, e outro é o homem“.

Essa mutabilidade constante do homem seria algo intrínseco, uma vez que a própria natureza está em constante mutação. Os filósofos pré-socráticos, entre eles Heráclito, não separavam o homem da natureza. Por este motivo Friedrich Nietzsche considerou que eles eram os verdadeiros filósofos, pois estavam voltados para este mundo, para esta realidade, de forma integrada e não como dominadores.

Confira aqui alguns pensamentos de Heráclito e Nietzsche. Leia também um texto sobre os principais conceitos de Heráclito.

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Platão (427 a.C – 347 a.C)

Platão mudou o rumo da filosofia ao se voltar para a investigação da alma imortal do homem. O corpo seria um “túmulo da alma” que a aprisiona e limita suas potencialidades. Somo apenas uma sombra do mundo das ideias perfeitas; porém, tal mundo espiritual pode ser atingido pela razão.

A partir de Platão o homem torna-se o centro das investigações filosóficas. Através da razão e da investigação interior o homem se elevaria até o mundo das ideias perfeitas. Esse mundo espiritual que surgiu com Platão — que foi posteriormente apropriado pelo cristianismo e outras doutrinas espirituais do ocidente — passou a considerar o ser humano apenas uma sombra de um “outro mundo que é de fato real”.

O corpo seria um “túmulo da alma”, que aprisiona e limita suas potencialidades. Assim, a natureza humana em Platão é degenerada e apenas pode se libertar através do uso da razão, que poderia levar o homem à contemplar o Sumo Bem.

A maldade e conflito do mundo seriam o resultado da ignorância acerca do Bem. Em Platão existe um grande destaque à reflexão interior e observação de si mesmo. Sem isso, o homem é escravo de seus instintos mais baixos.

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Santo Agostinho (354-430)

Para Agostinho o homem nasce pecador. Apenas a aceitação de Cristo poderia elevar nossa natureza humana degenerada. Tal é a ideia do pecado original, que irá ganhar força com a filosofia de Agostinho e influenciar toda a Idade Média. 

Seguindo o pensamento espiritual de Platão, os filósofos medievais, representados principalmente por Agostinho, irão afirmar que o Sumo Bem platônico é Cristo, o Logos encarnado. Mas no que diz respeito à natureza humana, Agostinho também considera que o homem é um ser degenerado, decaído e nascido pecador.

Desta forma, pode apenas salvar-se aceitando Cristo, pois a razão seria limitada e precária. Este mundo seria um mundo de sofrimento e expiação. Um “vale de lágrimas” que pode apenas ser atravessado por meio da fé cristã, e além dessa fé existe apenas sofrimento.

Deus deu ao homem o livre arbítrio que lhe permite escolher entre o bem e o mal. Esta perspectiva Agostiniana atravessou a era medieval e ainda hoje constitui a forma de pensar tanto do cristianismo quanto de várias outras doutrinas espirituais do ocidente.

Apesar da importância que Agostinho dá à razão, apenas a religião cristã poderia conectar o homem com seus níveis mais elevados. Além da religião estaria o erro, o pecado e o paganismo.

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René Descartes (1596-1650)

Com René Descartes teremos o surgimento da dúvida metódica e da visão mecanicista do mundo. “Penso, logo existo” define o homem unicamente através da razão, e a realidade deixa de ser uma “sombra de um mundo espiritual” e passa a ser um vasto campo de pesquisa.

O próprio homem torna-se um objeto da investigação científica. O homem é uma máquina que pode ser analisada e definida, ainda que Descartes considere que a natureza humana possua uma percepção a priori de Deus, trata-se do “Deus dos filósofos”, um ser infinito de suma inteligência mas radicalmente diferente do Deus revelado da tradição judaico-cristã.

Descartes acreditava que a razão teria poder suficiente para orientar o homem em direção a um caminho justo e digno.

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Maquiavel (1469-1527)

Maquiavel e a natureza humana

Maquiavel, um pouco antes de Hobbes, detalha uma ideia pessimista do homem. O governante, considerando que os homens são egoístas, cruéis e traiçoeiros, deve se impor com violência para que não seja traído ou perca sua liderança.

Para isso, não deve hesitar em usar todos os meios para manter sua posição. É desejável que o governante seja amado. Porém, Maquiavel alerta que, antes de ser amado, o governante deve ser temido. O poder não combina com a moral, e o governante deve se impor diante de uma natureza humana implacável. Não apenas violento, mas também traiçoeiro e dissimulado. Tal é o homem para Maquiavel.

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Os filósofos da corrente empirista: Thomas Hobbes, John Locke e David Hume

O empirismo afirma o homem como uma tábula rasa. Nascemos tal como uma folha em branco onde a experiência irá escrever suas instruções. A razão não pode elevar-se para além deste mundo, como queriam Platão, Agostinho e Descartes.

Somos um feixe de sensações e apenas nossos sentidos podem dizer algo sobre a realidade. Entre os principais representantes do empirismo teremos Thomas Hobbes, John Locke e David Hume.

Entretanto, não existiu uma concordância entre eles sobre a natureza humana. Mas, para todos eles, apenas a experiência ensina.

Confira aqui um texto comparativo entre o racionalismo e o empirismo.

Thomas Hobbes (1588-1679)

Thomas Hobbes declara que o homem é egoísta e se importa apenas consigo mesmo e com aqueles que lhe são próximos. Como os bens são escassos e difíceis, naturalmente somos levados à situação de “guerra de todos contra todos”, e apenas o contrato social impediria esse conflito.

Este contrato social, contudo, é necessário justamente porque o homem é essencialmente egoísta. Em sua obra Leviatã (1651), Hobbes desenvolve toda sua filosofia política baseada nessa ideia pessimista do homem, onde apenas o Estado (ou o monarca, no caso de Hobbes) poderia conter uma situação de violência e conflito que tornaria a vida insuportável.

Os empiristas utilizam o conceito de “estado de natureza” para exemplificar uma condição onde a falta de governo instaura a guerra de todos contra todos. O governo seria necessário mesmo que o homem fosse bom.

John Locke (1632 – 1704)

John Locke lança uma luz mais otimista sobre a natureza humana. Para ele, o homem é bom e altruísta. Ainda assim, Locke é um contratualista. Porém, o contrato social em Locke é um consentimento dos homens em prol da ordem social, e não uma necessidade para bloquear uma natureza humana egoísta.

Por isso mesmo Locke defende a democracia representativa, e não um estado absoluto, como faz Hobbes. Se o governante não estiver cumprindo seu objetivo, pode ser destituído pelo povo. Locke influenciou o surgimento dos estados liberais.

David Hume (1711-1776)

David Hume é considerado o principal representante dos filósofos da corrente empirista. Também considerava o homem uma tábula rasa, mas aprofundou suas investigações fazendo um estudo detalhado da mente humana.

É considerado um radical, ainda que brilhante, mesmo entre os empiristas. Levou as ideias do empirismo até as últimas consequências e foi um crítico severo de Descartes, pois considerava o “eu” uma ilusão (praticamente uma invenção) .

O homem seria apenas um amontoado de sensações desordenadas, sendo a razão incapaz de guiá-lo em suas decisões morais. Para o homem, restaria apenas as noções de prazer e dor para guiar suas ações morais.

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Immanuel Kant (1724-1804)

Immanuel Kant sintetizou racionalismo e empirismo e declarou que o homem tem uma razão pura, além dos sentidos, que pode orientar nossas decisões morais.

Immanuel Kant, um dos filósofos mais importantes da tradição, sintetizou empirismo e racionalismo. Todo conhecimento humano tem origem nos sentidos. Contudo, o homem possui uma razão inata — ou uma razão pura — que interpreta os dados empíricos.

Assim, não somos apenas tabula rasa (como queriam os empiristas) e muito menos podemos conhecer apenas através da razão (como queriam os racionalistas).

No que diz respeito à ética, Kant irá criar o imperativo categórico, afirmando que apenas as ações que podem ser universalizadas são moralmente boas. Não podemos mentir, pois se todos mentissem, não saberíamos o que é a verdade e a própria mentira não existiria mais.

Não podemos matar, pois se todos matassem seríamos extintos e o próprio assassinato deixaria de existir. Mas a boa vontade pode ser universalizada, pois se todos tivessem boa vontade, ainda assim existiria ela existiria.

Confira aqui alguns pensamentos de Immanuel Kant e leia um texto introdutório sobre sua filosofia.

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A influência da Segunda Guerra Mundial

As guerras mundiais evidenciaram, de forma documentada, a extrema crueldade e indiferença do homem e lançaram uma nuvem de pessimismo sobre as concepções de natureza humana.

O surgimento das guerras mundiais evidenciou para o mundo moderno a crueldade do homem. Após o amadurecimento das democracias, as guerras voltaram a lançar uma perspectiva pessimista sobre a natureza humana.

A crueldade que foi constatada após a segunda guerra (1939-1945) desencantou as filosofias mais otimistas, religiosas ou românticas. Os filósofos que viveram os horrores da guerra se viram, novamente, diante do enigma da maldade.

Hannah Arendt, Jean-Paul Sartre, Albert Camus e Emmanuel Lévinas são alguns desses filósofos. A partir de então ficou evidente a urgência do amadurecimento do debate sobre ética e responsabilidade.

O julgamento de Jerusalém, que surpreendeu Hannah Arendt e condenou o carrasco nazista Adolf Otto Eichmann, deixou claro que não podemos mais culpar os outros — ou mesmo Deus — por nossas ações. Todo homem deve ser absolutamente responsável por suas ações e constrói sua essência através de seus atos.

Confira aqui alguns pensamentos de Hannah Arendt.

Jean-Paul Sartre (1905-1980)

Jean-Paul Sartre, representante do existencialismo, afirmou que o homem nasce sem essência e a constrói durante sua vida através de seus atos. “O homem é condenado a ser livre. Condenado, pois não criou-se a si mesmo, e livre, pois, uma vez lançado no mundo, é responsável por tudo que faz“.

Esta perspectiva considera que o homem não nasce pronto, mas constrói sua natureza ou essência através dos atos praticados. Independente da natureza humana construída por cada homem, ele deve ser responsável por sua ações, sendo elas boas ou más, não podendo mais culpar nem os outros e nem a Deus pelas consequências.

Por isso diz-se que o existencialismo de Sartre é essencialmente ateu, para que nada sirva como desculpas por nossos atos. “O inferno são os outros” não porque os outros me incomodam, mas porque me lembram a todo momento que sou responsável pelo que faço.

Confira aqui pensamentos de Jean-Paul Sartre.

Emmanuel Lévinas (1906-1995)

Para Lévinas, o enigma da crueldade e da violência está ligado ao pensamento totalizante, que entende que o seu pequeno mundo de crenças deveria ser o mundo todo.

Para Emmanuel Lévinas a filosofia ocidental falhou (e ainda falha) ao considerar o homem como objeto de conhecimento, pois, para Lévinas, o homem é Alteridade. Tudo na natureza pode ser conhecido, menos o homem em sua essência. Somos seres infinitamente separados e limitados. Incompreensíveis uns para os outros.

Porém, o homem encerrado em sua cultura, religião e crenças acaba acreditando que aquilo em que ele acredita é universal e absoluto. Na sua forma mais reducionista, muitos grupos religiosos mundo afora afirmam conhecer a vontade de Deus. 

O ateísmo, por sua vez, cai no mesmo erro recorrente dos religiosos e acaba acreditando que sua forma cética ou científica de pensar é a única forma correta perceber o mundo. Tudo isso faz surgir o pensamento totalizante, que gera o sofrimento, guerra e suspensão da moral.

Porém, o homem carrega dentro de si a ideia de infinito, pois no fundo sabe que além de sua percepção limitada está uma infinidade de realidades e possibilidades. Os grandes momentos de nossas vidas ocorrem quando, durante a prática do acolhimento e da bondade, lembramos do infinito e aceitamos os outros através de um diálogo de alteridades, e não mais de conversão e redução do outro ao meu limitado “eu”.

O verdadeiro diálogo ético de aceitação dos outros apenas ocorre quando “eu sou eu e tu és tu“. O que ocorre atualmente, infelizmente, é um monólogo onde “eu sou eu e tu deverias ser eu“. O enigma da crueldade e da violência, segundo Lévinas, está ligado ao pensamento totalizante.

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AutorAlfredo Carneiro – Graduado em Filosofia e pós-graduado em Filosofia e Existência pela Universidade Católica de Brasília.

Referências Bibliográficas


  1. DESCARTES, René. Meditações. Coleção Os Pensadores. 2 ed. São Paulo: Abril, 1979.
  2. HOBBES, Thomas. Leviatã. Coleção Os Pensadores. 2 ed. São Paulo: Abril, 1979.
  3. MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril, 1973.
  4. MONTAIGNE, Michel de. Ensaios. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril, 1972.
  5. PLATÃO. Apologia de Sócrates. Coleção Os Pensadores, Volume – Sócrates. São Paulo: Abril,1972
  6. _______. Fédon. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril, 1972.
  7. ARISTóTELES. Da alma. Lisboa: Edições 70, 2001.
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