Filosofia, psicologia e psicanálise
Apesar da psicologia ser um ramo do conhecimento relativamente jovem, ela possui origens bem antigas. O “estudo da alma” remonta desde os primeiros filósofos gregos até as tradições mitológicas dos povos antigos — hoje consideradas valiosas fontes dos elementos mais profundos da natureza humana.
Foi por esse motivo que Hermann Ebbinghaus, um dos primeiros autores da moderna psicologia, afirmou que ela “possui um longo passado, mas uma história curta”.
A Filosofia e o conhecimento de si mesmo
Heráclito, o filósofo do fogo e da mudança, observou atentamente o comportamento humano e declarou que “o mesmo homem não se banha duas vezes no mesmo rio, pois outras serão as águas e outro será o homem”, porém, será apenas com Sócrates e os grandiosos diálogos platônicos que o pensamento filosófico irá se voltar definitivamente para a natureza humana.
A forma de dialogar de Sócrates — também chamada de maiêutica ou “parto das ideias” — consistia em uma conversa que iniciava com um elogio irônico e prosseguia com uma série de perguntas que revelavam que aquele que julgava saber, na verdade, sabia muito pouco tanto sobre o assunto abordado quanto sobre si mesmo.
Esse grande evento da história da Filosofia foi chamada de “virada antropológica”, uma vez que colocou a natureza humana no centro das investigações filosóficas, sendo Platão seu principal iniciador. Sócrates, o grande herói e mestre de Platão, afirmava que sua principal missão seria “conhecer sua própria alma”.
Desde então, a Filosofia percorreu um longo caminho até a moderna psicologia. Ainda que a Filosofia Medieval tenha colocado Deus como tema fundamental, a obra As Confissões, de Agostinho, é uma marcante exploração de si mesmo.
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Psicologia versus Ciência
René Descartes, o maior filósofo da modernidade, estabeleceu o “eu racional” como a grande promessa da humanidade, influenciando tanto o método científico quanto a Filosofia Moderna. Essa tal racionalidade intrínseca do homem seria nossa maior promessa.
O próprio Descartes, convencido do poder de seu método racional, afirmou que “agindo assim, não existirá nada tão longe que não seja alcançado e nem tão encoberto que não seja descoberto”.
Como esperado, a promessa científica se estendeu a todos os ramos do conhecimento. Assim, o florescimento da ciência marcou definitivamente o estudo do comportamento humano.
Tudo parecia indicar que, finalmente, no desenrolar da Era Moderna, a conturbada natureza humana poderia ser compreendida pelo rigor do método científico.
Séculos depois, o próprio Freud, fundador da psicanálise, ainda tinha essa esperança com relação à ciência. Esperança essa que não foi compartilhada por futuros psicanalistas como Jacques Lacan.
Entretanto, apesar de marcar profundamente nossa história, no que tange à natureza humana a ciência não conseguiu gerar respostas satisfatórias para as causas do sofrimento psíquico.
Por isso existe um controverso debate sobre a Psicologia ser considerada uma ciência de fato.
A imprevisibilidade do ser humano, com suas dores e dilemas, parece resistir à ideia de que somos máquinas com defeitos a serem corrigidos.
O filósofo francês Michel de Montaigne, já no século XVI, havia percebido essa dificuldade e declarou que “a ciência é uma coisa maravilhosa, os que a desprezam demonstram estupidez. Ela não pode, contudo, nos tornar sensatos”.
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O surgimento da Psicanálise
Na Era Contemporânea devemos principalmente a Sigmund Freud a constatação de um fato desconcertante: a poderosa razão humana, valorizada ao máximo por Descartes e pela ciência, não seria tão poderosa assim.
Este “eu racional e consciente” de Descartes, na verdade, seria uma marionete nas mãos de forças inconscientes que direcionam nosso comportamento e nossas escolhas — que não seriam tão “racionais” quanto julgamos.
A Teoria do Inconsciente de Freud deu origem à Psicanálise, que se dedica principalmente ao estudo detalhado dos conteúdos inconscientes, seja através da interpretação de sonhos ou da fala do paciente com o intuito de tratar casos de histeria e neurose.
A psicanálise tornou-se um ramo independente da psicologia, tendo entre seus principais expoentes (além do próprio Freud) nomes como Carl Gustav Jung e Jacques Lacan.
A psicologia também se desdobrou, durante sua história, em várias perspectivas, como o Behaviorismo, Gestalt, e outras.
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Psicologia e Psicanálise nos dias de hoje
A psicologia e a psicanálise, como foi dito, costumam ser criticadas por “não serem científicas”, sendo acusadas de “confusas” ou “impalpáveis”.
Contudo, apesar da ciência curar doenças e nos levar ao espaço, ela não consegue nos tornar sensatos, como percebeu Montaigne.
Talvez essa dificuldade ocorra porque, no estudo da natureza humana, o próprio sujeito se debruça sobre ele mesmo, tornando sua pesquisa eminentemente filosófica, enquanto as demais ciências trabalham com dados mais concretos.
Nesse sentido, o antipático filósofo Arthur Schopenhauer, que nunca pretendeu agradar ninguém, afirmou (no seu estilo elitista e desrespeitoso) que “os cientistas revelam uma ignorância de sapateiro para os problemas filosóficos”.
O filósofo alemão Friedrich Nietzsche também não poupou críticas à racionalidade extremamente valorizada da Era Moderna, e suas ideias influenciaram decisivamente Sigmund Freud, principalmente seus conceitos de Apolíneo e Dionisíaco, que ajudaram a delinear a Teoria do Inconsciente.
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É normal que nossa cultura altamente tecnicista não aceite bem a Filosofia, entendida como algo que “não gera resultados”. E, consequentemente, o mesmo vale para a Psicologia.
É também curiosa a animosidade dos críticos da Psicologia. Faz lembrar a frase de Freud: “Quando Pedro fala sobre Paulo, sei mais sobre Pedro do que sobre Paulo”.
Porém, observando os conflitos do mundo e nossa própria experiência pessoal, faz sentido dizer que nunca precisamos tanto centrar nossos esforços no estudo do comportamento humano — ou na investigação da mente, se é que existe alguma diferença entre os dois.
Apesar da neurociência ser uma promessa, o que podemos esperar dela no que se refere ao autoconhecimento, às relações sociais, aos traumas e tensões inerentes à vida em sociedade?
No final das contas, a fé na ciência como solução dos enigmas da vida se assemelha à fé religiosa: um tipo de discurso que assume traços verdade absoluta.
A própria ciência não tem culpa disso, pois apenas segue seu caminho. A questão parece estar naqueles que acreditam nela sem entender o que ela é.
Por outro lado, a Psicologia e a Psicanálise sempre caminharam (de fato) lado a lado com os problemas e limitações da vida, buscando soluções para as causas dos distúrbios mentais e do sofrimento psíquico.
E para isso se utilizam da arte, da filosofia, da ciência, da literatura, das mitologias, da música e de tudo aquilo que parece resultar em algum progresso.
Os que desprezam esses esforços parecem apenas confirmar as suspeitas de Montaigne e Schopenhauer.
Por fim, por mais que a psicologia e a psicanálise “não sejam científicas”, isso não invalida os esforços daqueles que se dedicam a investigar a natureza humana e as dores da alma; que passam a vida tentando amenizar o sofrimento intolerável, afinal, pelo menos esses ainda seguem o bom e velho conselho socrático: “uma vida irrefletida não vale a pena ser vivida”.
Autor: Alfredo Carneiro – Graduado em Filosofia e pós-graduado em Filosofia e Existência pela Universidade Católica de Brasília.