O fundador do estoicismo foi Zenão de Cítio (333 – 262 a.C.), nascido na ilha de Chipre. Tinha origem fenícia, uma antiga civilização que ficava na região do atual Líbano. Segundo o historiador romano Diógenes Laércio (180-240), Zenão teria sido um jovem mercador que passou a buscar respostas mais profundas para a vida após sobreviver a um naufrágio. Impressionado com o pensamento de Platão, Zenão foi estudar filosofia em Atenas.
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Depois de conhecer várias doutrinas, fundou sua própria escola em 300 a.C. Como não era cidadão ateniense, não podia ser proprietário de nenhum imóvel na cidade, então, ministrava aulas em um pórtico, que é uma área coberta que fica na entrada das antigas construções gregas. O nome “estoicismo”, é oriundo da palavra grega “stoá”, que significa “pórtico”.
A filosofia estoica tornou-se uma importante corrente de pensamento do período helenístico e estendeu sua influência até o período do Império Romano. De sua fase inicial, restaram poucos fragmentos e relatos, entretanto, os filósofos estoicos romanos Sêneca, Epiteto e o imperador Marco Aurélio deixaram obras completas que chegaram até nossos dias. Os escritos desses filósofos mantiveram o despojamento e a austeridade do pensamento de Zenão.
O estoicismo foi popular durante o Império Romano até o ano 529, quando o imperador Justiniano ordenou o fechamento de todas as escolas filosóficas, inclusive a Academia de Platão, pois estariam em desacordo com seu projeto de unificação do império através do cristianismo, marcando o fim da Filosofia Antiga e o início da Filosofia Medieval.
A simplicidade do estoicismo influenciou o cristianismo durante a Era Medieval e chegou até nossos dias como uma filosofia prática e independente de qualquer religião. Essa simplicidade não deve ser entendida como limitação, mas sim como crítica aos discursos filosóficos complexos que não contribuem para os reais problemas da vida. A complexidade apenas alimentaria a vaidade, prejudicando assim o bom uso da razão. Segundo o estoicismo, a razão é algo simples, natural e fácil de utilizar. Se temos alguma dificuldade quanto a isso, é porque estamos mergulhados em ilusões e levados pelas paixões.
De certa forma, o estoicismo se aproxima de algumas doutrinas orientais, como o budismo, ao propor uma solução para o sofrimento humano, e o taoismo, ao afirmar que a natureza possui uma sabedoria divina capaz de nos guiar.
Estoicismo: razão, dever e simplicidade
A finalidade do estoicismo é livrar o homem do sofrimento através do cultivo da razão, pois a razão, quando bem utilizada, naturalmente nos tornaria simples, tranquilos e indiferentes às paixões. A palavra “paixão” é oriunda do grego (pathos) e significa sofrimento. O estoicismo considera paixões as emoções geradas pelos acontecimentos da vida: se são bons, nos alegramos, se são ruins, nos angustiamos. Assim, a alma voa de um lado para o outro como folha ao vento, sempre vítima das circunstâncias que geram raiva, inveja, alegria e outros sentimentos, conforme declarou Sêneca:
“Muitos há que andam miseravelmente à deriva entre o medo da morte e os tormentos da vida, sem querer viver nem saber morrer.”
— Sêneca
Ainda que seja difícil atingir a tranquilidade diante da jornada da vida, os estoicos insistem que grande parte de nosso sofrimento é causado por nós mesmos, pois nos ocupamos com assuntos que não nos dizem respeito e tentamos controlar coisas que não podemos controlar. A filosofia estoica considera que possuímos uma divindade interior capaz de nos guiar, pois nossa razão tem origem na razão divina ordenadora da natureza. Todavia, como não cultivamos essa relação interior, nos tornamos vítimas constantes de nossos julgamentos equivocados. Sobre isso, vejamos algumas afirmações de Sêneca e Marco Aurélio:
“Nenhum inimigo inflingiu a alguém golpe tão duro como aqueles que muitas pessoas sofrem ocasionados pelos próprios prazeres.”
“O quanto de tua existência não foi retirado pelos sofrimentos sem necessidade, tolos contentamentos, paixões ávidas, conversas inúteis e quão pouco te restou do que era teu?”
“Nossa alma tem capacidade para elevar-se até à divindade, desde que os vícios não a impeçam.”
“A razão divina governa tudo o quanto existe sem a nada estar sujeita. O mesmo acontece com nossa razão que, aliás, provém daquela.”
— Sêneca
“A substância do universo é dócil e maleável. A inteligência que a governa não possui maldade e nada é por ela prejudicado. Por meio de sua orientação, tudo cumpre seu destino.”
— Marco Aurélio
Para o estoicismo, as paixões são o resultado dos julgamentos equivocados. O prazer é julgamento equivocado sobre algo que pensamos ser bom; o medo é julgamento equivocado sobre algo que imaginamos ser um mal futuro; o desejo é julgamento equivocado sobre algo que não possuímos. Todas essas ilusões prejudicam o desenvolvimento das virtudes e da boa vontade na execução de nossas tarefas. Cada tarefa a ser realizada, independente de qual seja, é uma oportunidade para fortalecer nossa relação com a razão divina presente em nós. Entretanto, normalmente desperdiçamos essas oportunidades pois agimos mergulhados em decepções, frustrações e ressentimentos. Vejamos o que diz Marco Aurélio sobre isso:
“Ao agir, não o faças com má vontade nem egoísmo. Não sejas tagarela nem intrometido. Deixe teu deus interno te guiar, sendo sempre agradável e não dependendo do auxílio ou da paz de ninguém, já que é dever do homem ser correto e não depender dos outros.”
— Marco Aurélio
A virtude, para os estoicos, representa o bom uso da razão e cumprimento de nossos deveres, enquanto que as paixões são o resultado da ignorância, da preguiça e da má vontade. Como foi dito, a razão é aquilo que o ser humano tem de mais natural e fácil de usar, enquanto que as paixões confundem o pensamento e são difíceis, complexas e demandam esforço. Os bens materiais são importantes apenas na medida exata para preservar a saúde do corpo e o cumprimento de nossas obrigações, mas não possuem valor em si mesmos. Vem daí o famoso termo “simplicidade estoica”. Quando os bens materiais ultrapassam a medida certa, nos ocupam com atividades inúteis e prejudicam a razão.
Existem ações que são fúteis e desnecessárias, pois são frutos das paixões. Devem ser percebidas e evitadas através da prática constante da razão. Será nossa razão, treinada na jornada da vida, que irá nos indicar as ações que trazem naturalmente a tranquilidade e cumprem nosso propósito de vida.
É irrelevante, para os estoicos, se nossas ações são modestas ou grandiosas, pois, na perspectiva da eternidade, são todas insignificantes. Apenas possuem algum valor aquelas servem para nos conectar com a razão divina da natureza e promover o bem comum. Sobre tudo isso, mais uma vez, vamos recorrer a Marco Aurélio:
“Necessita de pouco, seja gentil e franco; evite o exagero e a conversa fútil. Não vês quantas virtudes podes mostrar, pelas quais não estás incapacitado? O que te conduz é a vontade de reclamar, de te vangloriar dos problemas, de desgraçar teu corpo com teus erros. Não, pelos deuses, deverias estar livre desses vícios há muito tempo. É tua culpa seres lento e estúpido. Vais morrer e, ainda assim, não alcançaste a simplicidade e a calma. Não aprendeste a ser gentil ou a lidar apenas com a sabedoria.”
“Grande parte do que dizes e fazes não é necessária. Livra-te delas e terás mais momentos de lazer e menos aborrecimentos. Abandone não apenas ações desnecessárias, mas também pensamentos desnecessários, já que, assim, evitarás todas as ações fúteis.”
“A fama te atrai? Pensa na rapidez com a qual todas as coisas são esquecidas e na eternidade que existe antes e depois de nós. Pensa também em quão escassos de pensamentos são aqueles que parecem nos louvar e no estreito limite desse louvor”
— Marco Aurélio
O sábio é aquele que se liberta das paixões e chega à apatheia, palavra grega que significa ausência de paixões, atingindo naturalmente a tranquilidade e a paz interior. O termo “apatia”, utilizado para referir-se à falta de entusiasmo, ainda que tenha relação com o termo grego apatheia, não deve ser entendido no sentido dado pela filosofia estoica, que é a tranquilidade oriunda da sabedoria. Outra palavra usada pelos estoicos, com sentido aproximado, é a palavra grega ataraxia, que significa ausência de preocupações ou felicidade.
Essa tranquilidade também leva à simplicidade, pois toda sofisticação é fruto da vaidade e da ignorância. Quanto mais simples e despojados somos, mais próximos estaremos da divina razão que pode nos orientar. Quanto mais sofisticados ou reclamões nos tornamos, pior nossa capacidade de julgar as coisas e, consequentemente, a vida se torna uma sucessão de sofrimentos e decepções.
Não podendo alterar grande parte dos acontecimentos da vida — a não ser aqueles poucos que nos dizem respeito — cabe ao homem se orientar pela razão, se alinhando ao Logos Divino que tudo dispõe da melhor forma possível. É dever de cada um cumprir seu propósito com coragem, determinação e boa vontade, preservando a boa saúde, exercitando a prudência, desfrutando com sobriedade as boas coisas da vida e aceitando sem reclamar as coisas ruins ou inevitáveis.
Epiteto, um dos representantes do estoicismo romano, era escravo de um homem cruel e, apesar de sua condição, cumpria suas obrigações e buscava na filosofia um caminho para a felicidade; após conseguir sua liberdade, tornou-se não apenas respeitado professor como também um dos grandes filósofos da história. Para os filósofos estoicos, felicidade não tem relação com alegria, mas sim com tranquilidade. A felicidade, da forma como é entendida atualmente e difundida pela mídia, para o estoicismo é um sentimento equivocado ligado às ilusões.
Ainda que a história de Epiteto pareça “motivadora” ou “exemplo de superação”, segundo o próprio Epiteto, não devemos agir tendo em vista recompensa alguma além daquela que é obtida por aqueles que cultuam a divina razão interior, que é a perfeita ordem e tranquilidade da alma independente da situação em que nos encontramos.
Sobre a morte e a brevidade da vida
As várias reflexões sobre a morte, feitas pelos filósofos estoicos, visam dissipar as ilusões e manter a vida simples. Longe de ser uma ideia sombria, a constante lembrança da morte nos alerta o que é importante, evitando assim perder nosso valioso tempo com pensamentos, atitudes e coisas desnecessárias. É atribuído aos estoicos a origem filosófica da expressão latina “memento mori“, que pode ser traduzida como “lembra-te que morrerás”. Vejamos algumas dessas reflexões de Marco Aurélio:
“Não conduzas tua vida como se tivesses dez mil anos à frente. A vida é curta e a fatalidade está sempre próxima. Faz o melhor com teu presente. Enquanto vives e podes, seja bom.”
“Que cada ação, cada palavra, cada pensamento teu ocorram quando estiveres consciente de que teus dias podem ter fim a qualquer momento.”
“É função de nossa razão aprender com que rapidez tudo se esvai; como as formas corpóreas são consumidas e a memória parte com as marés dos anos. Assim são todas as coisas, especialmente as que nos seduzem ou apavoram. Ou, ainda aquelas que alimentam nossa vaidade.”
Sêneca também fez muitas reflexões sobre a morte, que para ele é capaz de trazer percepção plena do valor da vida. Desta forma, o filósofo transforma um assunto ligado ao pessimismo e à tristeza em vigor, otimismo e quietude.
“É difícil, dirás, levar o espírito a desprezar a vida. Mas tu não vês como, continuamente, ela é desprezada por motivos fúteis?”
“Se queres ter um vida agradável, deixa de te preocupares com ela. Anima-te, pois, e ganha coragem contra aquilo que é inevitável mesmo aos mais poderosos.”
No estoicismo, a percepção da finitude de todas as coisas assume uma importância central, pois temos a eternidade antes de nós e à nossa frente; tudo está destinado a desaparecer e ser esquecido; o tempo presente é a única coisa que possuímos de fato. Essa percepção ampla da finitude é um dos principais alicerces da filosofia estoica.
Divisão da filosofia segundo o estoicismo
O estoicismo divide a filosofia em:
- Lógica: argumentação correta dos problemas relativos ao conhecimento;
- Física: teologia, ontologia e cosmologia;
- Ética: o caminho prático que conduz à vida tranquila.
A ética é a parte mais importante da filosofia para os estoicos. Seu fundamento é a busca instintiva pela autopreservação, ou seja, a conservação da natureza racional do ser humano — nossa dimensão que se conecta ao Logos e dirige as escolhas sensatas.
O papel da física é informar ao homem sua natureza racional e a ética mostra como preservá-la para atingir a tranquilidade. A filosofia dos estoicos segue o pensamento socrático ao afirmar que a natureza humana, aquilo que diferencia o homem de todos os outros seres, é a sua alma racional.
Porém, como o homem não é constituído apenas pela razão, mas também pela sua parte biológica, os estoicos estabeleceram que é correto escolher aquilo que preserva o corpo. Aquilo que está relacionado ao corpo é “indiferente”, e pode ser “preferível” ou “não preferível”.
Por exemplo: um agasalho que protege do frio é indiferente, pois não leva a alma racional à perfeição, mas como ajuda a preservar o corpo, se torna preferível. Já aquilo que é prejudicial é indiferente e não preferível, como as paixões, os prazeres e as dores do mundo.
Fases do Estoicismo
O estoicismo foi uma das escolas de maior longevidade do período helenístico; chegou até o século II d.C. A sua história pode ser dividida nos seguintes períodos:
- Antigo pórtico (séculos IV-III a.C.): desenvolvido por Zenão e seus discípulos: Cleanto (331-232 a.C.) e Crisipo (281-208 a.C.). Das obras destes autores restaram apenas fragmentos.
- Médio pórtico (séculos II-I a.C.): caracteriza-se pelo ecletismo com outras escolas filosóficas. Panécio (180-110 a.C.) e Possidônio (II-I a.C.) são os principais representantes e escreveram várias obras, das quais restaram fragmentos.
- Novo pórtico (séculos I-II d.C.): a doutrina apresentada pelos estoicos deste período gira quase que exclusivamente em torno de reflexões sobre a brevidade da vida e sua relação com questões morais. Sêneca (4-65 d.C.), Epicteto (50-138 d.C.) e Marco Aurélio (121-180 d.C.) são os principais representantes. Restaram muitas obras completas destes autores, e o estoicismo é mais identificado com a doutrina desses filósofos.
Autor: Alfredo Carneiro – Graduado em Filosofia e pós-graduado em Filosofia e Existência pela Universidade Católica de Brasília.
Sugestões de Leitura
- Pré-socráticos: do mito ao logos ou a origem da filosofia
- A Filosofia Antiga: o maior legado da Grécia
- Platão – Biografia, filosofia, obras e frases
- Filosofia Medieval – introdução e principais filósofos
Referência Bibliográfica
- AURÉLIO, Marco. Meditações. São Paulo: Principis, 2020.
- SÊNECA. Sobre a Brevidade da Vida. Porto Alegre, RS: LP&M, 2007.
- DUMONT, J. P. Elementos de história da filosofia antiga. Brasília: EdUnB, 2005.
- REALE, G. História da filosofia antiga. São Paulo: Loyola, 1994b. v. 3: Os sistemas da era helenística
- FRAILE, G. História de la filosofia: Grécia y Roma. 7. ed. reimp. Madrid: BAC, 1997.
- HADOT, P. O que é a Filosofia antiga? São Paulo: Lisboa, 1999. 423 p.