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Como a mitologia grega deu origem à democracia e ao pensamento racional

Mitologia Grega e Pensamento Racional

O que chamamos de mitologia grega era a religião oficial das cidades-Estado da Grécia Antiga, da mesma forma que o cristianismo é a crença religiosa majoritária dos países ocidentais.

Atualmente acredita-se que a mitologia grega é apenas um conjunto de crenças fantasiosas e sobrenaturais, porém, foi ela que proporcionou o surgimento da democracia, da filosofia e do pensamento racional.

Isso ocorreu porque a mitologia já carregava uma racionalidade intrínseca, além do conjunto de ideias que formaram a base das sociedades democráticas. Por isso a Grécia foi o berço da democracia e deu origem aos primeiros filósofos.

O pensamento racional na mitologia grega


O poeta grego Homero (928 a.C. – 898 a.C) é considerado um dos fundadores da civilização grega. Suas obras Ilíada e Odisséia tornaram-se uma das principais referências da cultura e dos costumes gregos, ao lado da obra Teogonia do poeta grego Hesíodo.

A mitologia registrada nas obras da antiguidade era a tradição oral de séculos de histórias contadas pelos gregos em forma de cantos e poemas.

Os poemas de Homero, que são a transcrição das lendas e histórias do povo grego nas obras Ilíada e Odisséia, já possuíam um pensamento lógico-causal.

Na Obra Teogonia, do poeta Hesíodo, encontramos a árvore genealógica dos deuses gregos desde os primeiros deuses até o apogeu e comando final de Zeus. Expressas mitologicamente em termos de procriação e consanguinidade, as ideias de dedução e associação permeiam todo o texto do poeta.

Através dos mitos, os gregos já estavam habituados à relação de causa e efeito que permitiu o surgimento do pensamento puramente racional (que tornou-se a base da filosofia).

O surgimento da escrita e o registro da tradição oral (os mitos e as lendas) criaram uma literatura rica e sofisticada que permitiu o desenvolvimento intelectual dos povos gregos. O próprio ato de registrar os mitos já exigia uma ordenação e uma sequência lógica da narrativa.

As investigações dos primeiros filósofos eram o questionamento dessas associações, como por exemplo, se os raios eram gerados por Zeus ou teriam outra origem. Assim, as relações de causa e efeito da mitologia foram as provocações iniciais da filosofia.

Democracia e mitologia grega


A democracia grega, que recebeu influência das obras de Homero, pressupõe igualdade entre cidadãos (que não é o mesmo que igualdade entre os homens). Esse ambiente democrático foi responsável pelo florescimento intelectual da Grécia Antiga, pois permitia o debate de ideias.

Se nas obras de Homero temos a concepção de sociedade aristocrática, nas obras de Hesíodo, especificamente no poema Os trabalhos e os dias, a virtude é resultado do esforço, do trabalho empreendido pelo indivíduo, não mais questão de hereditariedade.

Assim, qualquer homem pode ser virtuoso, contanto que se esforce para isso. Tanto em Homero quanto em Hesíodo existem as ideias de cidadania e igualdade, seja entre deuses, nobres ou cidadãos.

Na Ilíada – poema de Homero que relata a Guerra de Tróia – quando os guerreiros se reúnem para decidir, o voto de cada um conta de maneira igual. Mas é necessário convencer os outros de suas ideias. Torna-se então necessário desenvolver a argumentação, que não é apenas instrumento político, mas também forma de desenvolvimento intelectual.

A experiência com os princípios democráticos explica os avanços que ocorreram na Grécia em diversas áreas do pensamento humano, como a filosofia, o teatro, a ética, a matemática e a lógica, pois a democracia grega permitia a livre circulação de ideias.

O surgimento da filosofia


A experiência democrática criou ambiente fértil para o surgimento das investigações racionais da natureza, feitas pelos primeiros filósofos, também chamados de filósofos da physis ou pré-socráticos.

Porém, mesmo eles eram devotos dos deuses gregos, e o surgimento da filosofia não representou uma ruptura imediata com os mitos.

Tales de Mileto, considerado o primeiro filósofo, além de astrônomo e investigador da natureza, mesclava sua filosofia com a mitologia. Isso lhe deu recurso linguístico para expressar de forma poética o maravilhamento filosófico.

Diante da grandiosidade e do mistério da natureza, Tales buscou respostas racionais, porém, expressou seu encantamento nesta frase: Tudo está cheio de deuses. Será o posterior desenvolvimento dessa forma racional de pensar que irá influenciar o surgimento da investigação científica.

Para o filósofo Friedrich Nietzsche, os mitos eram um poderoso recurso dos primeiros filósofos, além de considerar a dualidade razão x imaginação uma característica do espírito humano (na imagem acima, uma representação do deus Apolo). Albert Einstein declarou que “a imaginação é mais importante que a inteligência”, e sua teoria da relatividade nasceu no dia em que se imaginou cavalgando um raio de luz.

Nietzsche (1844-1900) considerava os filósofos da physis os verdadeiros filósofos, pois mesclavam mitos, imaginação e razão. Acreditava que os mitos eram fonte de inspiração que dá especial colorido à razão, afirmando também que essa dualidade entre razão e imaginação é um traço fundamental da alma humana.

Segundo Nietzsche, a ruptura com os mitos representou o início da decadência que empobreceu o pensamento do homem ocidental, tornando-o fraco e sem vontade de viver com plenitude.

A mitologia e seus mistérios


Considerar a mitologia um pensamento irracional que antecedeu o surgimento das explicações racionais é o mesmo que acreditar que as coisas surgem do nada, sem base ou origem alguma.

A mitologia foi capaz de inspirar grandes pensadores do passado e possivelmente pode ter mais segredos para nos revelar. Freud foi um dos pensadores modernos que encontrou nos mitos um poderoso recurso para investigar a mente. Parece que, de forma misteriosa e poética, os mitos revelam seus segredos somente para aqueles que lhes prestam reverência.

AutorAlfredo Carneiro – Graduado em Filosofia e pós-graduado em Filosofia e Existência pela Universidade Católica de Brasília.

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