Baruch Espinosa (ou Bento de Espinosa) nasceu em 1632 em Amsterdã, na Holanda, de uma família de judeus portugueses que buscavam refúgio da perseguição religiosa na Península Ibérica. Preparou-se para ser rabino, porém, suas ideias o levaram à excomunhão em 1656. Expulso da comunidade judaica, leva uma vida independente, aprofundando seus estudos em filosofia – em especial do racionalismo de Descartes – e humanismo clássico.
Publica em vida apenas duas obras, os Princípios da Filosofia Cartesiana, em 1660, que é uma exposição das ideias de Descartes e, anonimamente, o Tratado Teológico-Político, em 1665 – obra audaciosa, que provocou tamanha polêmica, que levou Espinosa a desistir de publicar sua obra máxima, a Ética, que só veio a ser publicada em 1677, depois de sua morte.
Relação entre filosofia e matemática
Tal como Descartes, Espinosa acreditava que um dos impulsos por trás do esforço filosófico é o desejo de alcançar a certeza. Só podemos alegar possuir conhecimento na medida em que alcançamos a certeza absoluta. E o paradigma da certeza absoluta é a necessidade lógica: só proposições logicamente necessárias são absolutamente certas.
Assim, também para Espinosa, como para Descartes, o modelo matemático, com sua clareza e precisão, é a base para a condução do pensamento filosófico. Não por acaso, sua Ética é toda ela organizada sob a forma de demonstrações, tal como ocorre na matemática.
Espinosa estava convencido de que a certeza, ou seja, o verdadeiro conhecimento, só pode ser assegurado se assentarmos a ciência sobre bases metafísicas sólidas. Todo o nosso conhecimento deve estar interligado de modo que possamos demonstrá-lo com segurança partindo de premissas seguras e aplicando corretamente as regras da demonstração.
Baruch Espinosa e Descartes: do dualismo ao monismo
Uma das dificuldades da filosofia cartesiana, o dualismo mente-corpo, está associado ao procedimento da dúvida metódica. Pela própria forma como a dúvida procede (o “eu” coloca em dúvida todas as coisas) e pela conclusão a que ela chega (“Penso, logo existo” como expressão da primeira certeza), a separação entre mente e corpo é uma consequência. Descartes conclui que existem duas substâncias, sendo o “eu” substância finita e Deus substância infinita, e tudo o que existe, grosso modo, são variações dessas substâncias.
A discussão levantada por Espinosa gira em torno da noção fundamental de substância. Tradicionalmente, substância é aquilo que subsiste por si mesmo; aquilo que não tem necessidade de outra coisa para existir. Essa noção entrou para a metafísica, como noção central, com Aristóteles (uma das definições que Aristóteles dava à metafísica era a de “ciência que se ocupava da substância”).
Dizer que algo depende apenas de si mesmo para existir significa dizer que é causa de si mesmo. Ora, a relação entre a causa e seu efeito é uma relação de dependência: o efeito depende da causa para existir. Logo, se uma substância depende apenas de si mesma para existir, deve ser causa de si mesma.
Agora, na tradição judaico-cristã, apenas um ente pode ser pensado como causa de si mesmo: Deus. Isso leva Espinosa a identificar a noção de substância com a noção de Deus e afirmar, enfim, que há apenas uma substância, e não duas, como queria Descartes. Ou seja, o próprio conceito de substância implica o monismo, não o dualismo.
Para Descartes, tudo o que existe são modificações de uma das duas substâncias, mente ou espírito e corpo ou matéria. No domínio do espírito, temos modificações do atributo essencial da mente, que é o pensamento. Temos, assim, inúmeras formas de pensamento, todas elas modificações desse atributo. Da mesma forma, no domínio da matéria, temos modificações do atributo essencial da matéria, que é a extensão. Temos, assim, inúmeros corpos, cada um deles modificações do atributo “extensão”.
Para Baruch Espinosa, essa maneira de pensar é equivocada, dada a própria noção de substância. Como só pode haver uma substância, tudo deve ser considerado como modificação dessa substância única – ou seja, de Deus. Deus e o mundo (ou a natureza) acabam se confundindo: tudo é modificação de Deus (ou da substância).
“Tudo o que existe, existe em Deus, e sem Deus nada pode existir nem ser concebido”, afirmou o filósofo. Com isso, a questão da imanência de Deus volta ao debate na Filosofia Moderna, contrapondo a questão da transcendência (aceita no cristianismo) que atribui a Deus uma existência separada do mundo.
Para Espinosa, há apenas uma substância, com infinitos atributos. Mas, para a mente humana finita, apenas dois deles se manifestam: pensamento e natureza. Então, apesar de percebermos essas coisas de forma diferente, estamos vendo a mesma coisa em suas diferentes manifestações.
No entanto, este “Deus” de que fala Espinosa é muito diferente do Deus pessoal das religiões monoteístas e até mesmo do Deus dos filósofos (Aristóteles e sua causa primeira ou Descartes com a substância infinita). Esse Deus se confunde com a natureza: algumas vezes Espinosa usa a expressão Deus sive Natura (“Deus, ou seja, a Natureza”).
Assim, Deus não poderia mais ser compreendido nos termos tradicionais conforme surge nas escrituras religiosas. A natureza não é uma criação de Deus: é o próprio Deus. Essa perspectiva supera o problema posto pelo dualismo cartesiano (o problema de explicar como corpo e mente ou espírito interagem). Da mesma forma como Deus ou natureza são idênticos, corpo e alma também são as mesmas coisas.
O Legado de Baruch Espinosa
Baruch Espinosa levou o racionalismo de Descartes até suas últimas consequências. Suas ideias e argumentos, nem sempre de fácil compreensão, provocaram tal escândalo que Espinosa tornou-se uma espécie de filósofo maldito. Sua concepção da identidade entre Deus e natureza (o que às vezes é caracterizado como panteísmo) foi denunciada como ateísmo e materialismo – e, de fato, inúmeras interpretações da filosofia de Espinosa, sobretudo no século XVIII, tentavam justamente tirar conclusões ateístas e materialistas.
Identificar Deus com a natureza, e não como criador dela, era considerado heresia. Giordano Bruno, duas décadas antes do nascimento de Espinosa, foi condenado e queimado pela inquisição por afirmar que o universo era infinito. Para a Igreja apenas Deus poderia ser infinito, portanto, era também uma perspectiva panteísta. A visão panteísta, contrariando as crenças religiosas monoteístas, não acredita em um Deus pessoal e antropomórfico que se importa com a humanidade.
Esta perspectiva panteísta tornou o acesso às obras de Espinosa muito difícil, e muitas vezes clandestino; as próprias edições não eram confiáveis; só no final do século XVIII, no período do chamado idealismo alemão, sua filosofia seria melhor compreendida e avaliada, tornando-se uma influência fecunda para alguns dos principais filósofos da época.
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Referências Bibliográficas
- BURTT, Edwin A. As bases metafísicas da ciência moderna. Brasília: UnB, 1983.
- ESPINOSA, Baruch. Pensamentos metafísicos e outros textos. São Paulo: Abril Cultural,1983.
- ESPINOSA, B. Tratado teológico político. São Paulo: Martins Fontes, 2003