O filósofo alemão Arthur Schopenhauer introduziu na filosofia ocidental elementos do budismo, que considera compaixão e bondade virtudes fundamentais.
Schopenhauer se volta para as dores do mundo de forma existencial, não mais platônica ou kantiana, buscando na compaixão fundamento para a ética, renegando o abstrato imperativo categórico que se baseia no dever.
Não tenho reparo em colocar-me em aberta oposição a Kant, que não reconhece bondade ou outra virtude que as derivadas da reflexão abstrata e particularmente da noção de dever e do imperativo categórico, considerando o sentimento de compaixão como uma debilidade, porém, de nenhum modo, como uma virtude. (SCHOPENHAUER, 2001, p. 609)
Para compreender a visão de Schopenhauer acerca da compaixão, e como ela poderia fundar uma ética verdadeira — não mais racional ou teórica —, é necessário conhecer algumas ideias fundamentais deste filósofo: o mundo como representação e a ilusão da razão.
O mundo é vontade e representação
Para Schopenhauer, o mundo é vontade e representação. Essa representação segue moldes kantianos, uma vez que Schopenhauer se apropriou, em parte, da filosofia de Kant.
Não conhecemos o mundo em si, mas o mundo que nos é apresentado através dos sentidos e processados por nosso aparelho cognitivo. Não conhecemos o mundo, mas os fenômenos que se apresentam. Conhecemos nossa representação da realidade — os fenômenos — mas não a realidade em si.
Porém, a vontade, muito além da “boa vontade” kantiana e do imperativo categórico, se estende a toda a natureza, que nos demonstra todos os dias que uma vontade irracional move todos os seres. Todos lutam por sua vida, desde insetos até as plantas — e o ser humano não está além da natureza.
A ilusão da razão
A razão iludiu o homem com a sensação de controle, mas Schopenhauer mostrou que o homem mal tem o domínio de si mesmo, sendo movido por uma vontade irracional. Descartes descobriu o “eu”, e Schopenhauer, antes de Nietzsche e Freud, mostrou que não temos controle algum sobre este “eu” racional.
Essa força que move a natureza (e, por conseguinte, todos os homens) é também egoísta e centrada na subsistência. É um conatus que busca apenas existir e permanecer vivo apesar de todas as dificuldades e sofrimentos.
As dores do mundo
Schopenhauer prossegue com a desconstrução da metafísica tradicional, uma vez que esse filósofo volta sua reflexão para “este mundo” conforme expõe em sua obra As Dores do Mundo:
Não conheço nada mais absurdo que a maior parte dos sistemas metafísicos, que explicam o mal como uma coisa negativa; só ele, pelo contrário, é positivo, visto que se faz sentir. (…) A vida do homem é um combate perpétuo, não só contra males abstratos, a miséria ou o aborrecimento, mas também contra os outros homens… Trabalho, tormento, desgosto e miséria, tal é sem dúvida durante a vida inteira o quinhão de quase todos os homens. O mundo é o inferno, e os homens dividem-se em almas atormentadas e em diabos atormentadores…. Onde foi Dante buscar o modelo e o motivo do seu ‘inferno’ senão no mundo real?
A Ética da compaixão
Diante de um mundo de dores e sofrimentos, Schopenhauer propõe uma ética prática e vivencial baseada na compaixão. Apesar do egoísmo e da crueldade que fazem parte da existência humana, a caridade e a compaixão são o contraponto do egoísmo.
O egoísmo é fruto do “eu” e do “ego”. Faz o homem se considerar centro do mundo, se opondo violentamente contra tudo que impeça seu bem-estar. O egoísmo, contudo, cria uma falsa representação de mundo, separa os homens. A compaixão, por sua vez, nos aproxima.
A compaixão, enquanto princípio fundamental, é a proposta ética de Schopenhauer. Contra a razão pura kantiana, Schopenhauer acredita na compaixão inata como princípio ético, pois está além de nossa representação de mundo e da razão ilusória.
Por isso, desejo, em oposição à forma referida do princípio moral kantiano, estabelecer a seguinte regra: com cada pessoa com que tenhamos contato, não empreendamos uma valorização objetiva da mesma conforme valor e dignidade, não consideremos portanto a maldade da sua vontade, nem a limitação do seu entendimento, e a incorreção dos seus conceitos, porque o primeiro poderia facilmente ocasionar ódio, e a última, desprezo; mas observemos somente seus sofrimentos, suas necessidades, seu medo, suas dores. Assim, sempre teremos com ela parentesco, simpatia e, em lugar do ódio ou do desprezo, aquela compaixão que unicamente forma a ágape pregada pelo evangelho. (SCHOPENHAUER, 1983, p.188)
Schopenhauer estabelece uma metafísica baseada na vontade universal, que é essência de todos os seres — da qual tanto o egoísmo quanto a caridade fazem parte.
Através da compaixão, percebo a unidade de todas as coisas e consigo estabelecer uma relação que me une e me conecta com os outros, enquanto o egoísmo seria uma “ausência metafísica” que separa os homens.
Autor: Alfredo Carneiro – Graduado em Filosofia e pós-graduado em Filosofia e Existência pela Universidade Católica de Brasília.
Referências Bibliográficas
- SCHOPENHAUER. Aforismos para a Sabedoria na Vida. São Paulo: Melhoramentos, 1983.
- _________. O Mundo como Vontade e Representação. Rio de Janeiro: Contraponto, 2001. 431p.
- _________. Dores do Mundo. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d. 156p.