FILOSOFIA

O que é senso comum?

O que é Senso Comum ?

Na filosofia antiga, o conceito de senso comum tinha sentido ambíguo. Aristóteles o considerava uma forma de apreensão da realidade, enquanto que, para outros filósofos, representava as opiniões populares. Sócrates afirmava que “a maioria das pessoas ignora a essência das coisas”, alertando para o caráter ilusório das opiniões — que Platão chamava de doxa. Na Era Moderna, Descartes não duvidava que o senso comum seria forma de conhecimento, contudo, questionava se era modo seguro de “diferenciar o verdadeiro do falso”, afinal, percebeu que mesmo pessoas sensatas tinham opiniões diferentes sobre os mesmos assuntos, pois “não levavam em consideração as mesmas coisas”.

Desde então, o senso comum acabou adquirindo caráter pejorativo; tornou-se sinônimo de crenças transmitidas sem critérios; um modo de pensar vulgar do homem médio que se opõe ao senso crítico e ao conhecimento científico. Apesar disso, o senso comum é tema importante para a filosofia, mas ainda com viés negativo e muitas vezes injusto.

Mesmo Descartes, que não o considerava forma segura de conhecimento, achava importante conhecer os costumes de outros povos, “para que não achemos ridículo aquilo que contraria nossos hábitos, como fazem aqueles que nada viram”, e recorreu ao senso comum para se adequar às sociedades nas quais viveu. A obra de Descartes ainda mantém certa ambiguidade sobre o significado do termo, ora considerando como “primeira impressão dos sentidos”, ora se referindo às “opiniões já aceitas”.

O filósofo Thomas Reid, contemporâneo e crítico do notório pensador empirista David Hume, defendia que o senso comum deveria constituir ponto de partida das investigações filosóficas. Reid considerava o senso comum um tipo de razão em estado bruto, um conhecimento mais puro, sem refinamento e menos intelectualizado. Por isso mesmo, era também herança dos saberes adquiridos pela humanidade em seu confronto com a realidade. A função da filosofia seria expandir e refinar esses conhecimentos que estão em estado bruto. Em outras palavras, desprezar o senso comum poderia conduzir a reflexões distanciadas da realidade.

Para Reid, o homem comum também deveria aprender a tomar suas primeiras impressões como ponto de partida, e não como informação pronta, pois o progresso e a liberdade dependeriam da expansão dessa habilidade crítica.

Apesar do viés depreciativo, o senso comum é também o lugar da sabedoria popular. Todas as grandes civilizações tiveram suas bases culturais formadas pela transmissão oral antes do surgimento da escrita. Isso inclui não apenas os costumes, mas também técnicas medicinais, conhecimentos sobre plantas, construções, clima e vários outros exemplos. As lendas e os mitos dos povos antigos até hoje são utilizadas como metáforas de sabedoria.

Ainda que o surgimento da filosofia e da ciência tenham causado uma ruptura ao promover o senso crítico — que se opõe ao senso comum — é importante enfatizar que muitos pensadores, antropólogos e psicólogos defendem que o senso comum contém conhecimentos valiosos, não sendo apenas o lugar das crenças superficiais ou falsas que se repetem sem reflexão.

AutorAlfredo Carneiro – Graduado em Filosofia e pós-graduado em Filosofia e Existência pela Universidade Católica de Brasília.

Referências Bibliográficas


  • ARISTÓTELES. Tópicos. São Paulo: Abril S/A, 1973.
  • DESCARTES. Discurso Sobre o Método. São Paulo: Hemus, 1972.
  • SCHOPKE, Regina. Dicionário Filosófico. São Paulo: Martins Fontes, 2010.