Platão – Biografia, filosofia, obras e frases
Platão (428 – 348 a.C) era um dos filhos prediletos do céu. Os deuses o dotaram de todos os benefícios que podiam conceder a um mortal — nobre origem, pais ricos, boa aparência, um espírito lúcido num corpo de atleta (recebeu o apelido de Plato, dizia-se, em virtude de seus ombros largos) e um apaixonado amor pela sabedoria.
Nesta procura do saber veio, aos vinte anos, a receber a influência de Sócrates, que tinha naquele tempo sessenta e dois anos de idade. Platão venerou Sócrates desde o princípio. Reuniu-se ao grupo dos jovens e brilhantes intelectuais que acompanhavam a “mosca de Atenas” pelas ruas da cidade e ouvia-o, assombrado e deliciado, constranger os homens mais sábios de Atenas, forçando-os a admitir a própria ignorância.
Platão e a influência de Sócrates
Sócrates era feio como um sátiro e meigo como um santo. Um de seus mais hábeis discípulos, Alcibíades, comparava-o àquelas estátuas que se vendiam na praça do mercado, em Atenas: “Tem o aspeto exterior de um bufão, mas, ao abri-las, encontramos dentro delas a imagem de um deus.”
No entanto, não procurava Sócrates atingir alturas divinas de sabedoria. Dedicava-se, ao invés disso, modestamente, como ele mesmo observava, à tarefa de fazer perguntas. “Há apenas uma coisa que sei”, dizia, “e é que não sei nada”. E buscava demonstrar a todos que os outros também nada sabiam.
Aplicava-se a aprender e a capacitar os outros a aprenderem. “Minha mãe era parteira, e procuro seguir-lhe as pegadas. Sou um parteiro do espírito, auxiliando os outros a dar à luz suas próprias ideias”, dizia Sócrates.
Nota do editor: Esse auxílio ao qual Sócrates se refere ficou conhecido como maiêutica, o famoso método socrático de “parir ideias”. Essas ideias, contudo, já estariam latentes no ser humano e, através do diálogo, são aos poucos recordadas. Isso ocorre porque, na teoria das ideias de Platão, a alma, antes de descer a este mundo, contemplava essas ideias, que são esquecidas no nascimento. Sócrates (ou Platão) é também considerado um dos pais da dialética.
E assim, discorria pelas ruas de Atenas este filósofo de frases simples e feições grosseiras. Santo Sócrates, de nariz chato, lábios grossos, olhos saltados, corpo feio e divinos pensamentos.
E em toda parte fazia as suas perguntas elementares. O que é a piedade? O que é a democracia? O que é a virtude? O que é a coragem? O que é a honestidade? O que é a justiça? O que é a verdade? E qual é o vosso trabalho, e que conhecimento e habilidade trouxestes a ele?
Sois, porventura, homem do Estado? Neste caso, que aprendestes sobre governar? Sois professor? Que passos já destes no sentido de vencer a própria ignorância antes de se atrever a atacar a ignorância dos outros?
Nota do Editor: Essas perguntas são a base fundamental dos diálogos escritos por Platão. A respostas para várias das questões colocadas acima foram divididas em obras que narram os diálogos de Sócrates. Fedro e O Banquete, por exemplo, são diálogos sobre o amor. Fédon é um diálogo sobre a imortalidade da alma, Crátilo fala sobre a linguagem. Crítias é um diálogo onde surge um relato sobre cidade mítica de Atlântida.
Com tais perguntas procedia ao interrogatório dos sabichões e expunha-lhes a ignorância. Não fazia, contudo, de maneira perversa. Falava bastante sobre sua própria ignorância. Era o seu propósito único, chegar à verdade pela eliminação do erro.
“Sigo no rastro da verdade como um cão de caça.” Na busca da verdade descuidava de seus interesses, de seu trabalho — era escultor de ofício — e também de sua família. Mas sua rabugenta esposa, Xantipa, jamais perdia uma oportunidade para recordar esse descuido. Era Sócrates um mártir da filosofia.
E o que é, perguntava ele, a filosofia? O processo de raciocínio que nos capacita a conhecer nossa própria personalidade. Conhece-te a ti mesmo. A maioria das pessoas, todavia, ao se conhecerem, se desiludem com esse conhecimento.
Quando Sócrates retirou dos olhos dos atenienses o espelho da vaidade e colocou-lhes à frente o cristal da verdade, ficaram horrorizados. Viram, nesse cristal, não o reflexo de homens, mas a imagem de animais.
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O Julgamento de Sócrates
Como animais, os atenienses vaidosos e humilhados puseram-se a perseguir Sócrates. Por um certo tempo se contentaram em ridicularizá-lo. Mas, infelizmente, ocorreu uma tragédia na atmosfera política de Atenas, e muitos dos sentimentos mais puros dos cidadãos foram reduzidos a cinzas.
Tinham sido, os atenienses, derrotados na guerra do Peloponeso (404 a. C.) — guerra travada entre a ditadura de Esparta e a democracia de Atenas. A decência humana, a dignidade da vida e o sentido da liberdade individual tinham recebido um golpe mortal. A derrota ateniense foi seguida pela Tirania dos Trinta e depois por uma série de distúrbios políticos.
Já não era Atenas um lugar seguro para a vida de um filósofo — especialmente um filósofo que ainda ousava insistir na livre expressão de seu pensamento. Uma certa manhã, voltando do mercado, encontrou Sócrates a seguinte acusação afixada contra ele:
Sócrates é culpado crime: primeiro, por não adorar os deuses da cidade, mas introduzir novas divindades suas; segundo, por corromper a mocidade. A pena que lhe cabe é a morte.
O principal acusador era um mercador de couros chamado Ânito. Nutria, esse homem, um velho rancor pessoal contra Sócrates, pois este aconselhara o filho de Ânito a desistir dos negócios do pai e dedicar-se à Filosofia.
Nota do editor: os acusadores de Sócrates, ao todo, são três: Ânito, Meleto e Lícon.
Esta criminosa corrupção da mocidade, insistia Ânito, outra coisa não merecia senão a pena de morte. Sócrates foi preso e submetido a julgamento. Tinha Sócrates em suas mãos o poder de escapar da pena de morte, pois, de acordo com a lei ateniense, um condenado à morte poderia optar pelo exílio.
Um certo número de amigos ricos, inclusive Platão, conseguira subornar o carcereiro. Sócrates poderia escapar se quisesse. Mas não quis. O seu dia chegara, e ele estava pronto para partir.
Preparara-se durante toda sua vida para enfrentar o perigo e, se necessário, a morte. Quando moço, ganhara o prêmio por bravura, em campo de batalha. Na maturidade, ocupando o cargo de senador, ele ousara desafiar a população inteira que clamava pela morte de um almirante acusado de covardia.
Vários anos depois, foi igualmente corajoso ao desafiar o tirano Crítias. O tirano lhe ordenou que trouxesse de volta à Atenas um “rebelde democrático” chamado Leonte que fugira para Salamina. Sócrates, contudo, recusou-se a obedecer à essa ordem.
“Eu teria sido morto, provavelmente por causa disso”, diz-nos Sócrates, “se não tivesse caído logo o governo de Crítias”. E agora que estava realmente condenado à morte, não vacilava.
“Enfrentemos a morte como enfrentamos a vida: corajosamente. Não há dificuldade, oh, juízes meus, em fugir da morte, mas sim da culpa, pois esta é mais veloz que a morte, e nos agarra com rapidez. Eu fui alcançado pela morte, vocês, pela culpa. Submeto-me à minha punição, e vocês, à sua.”
Nota do editor: A obra que narra o julgamento de Sócrates é Apologia de Sócrates.
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- O julgamento de Sócrates
- Sócrates e o Oráculo de Delfos: a origem do “sei que nada sei”
- Fedro de Platão: O misterioso daemon de Sócrates e o amor platônico
- Livro Apologia de Sócrates (PDF)
A morte de Sócrates
No último dia de sua vida visitou-o na prisão um grupo de discípulos. Descreve Platão a cena em seu Fédon, obra que se encontra entre os grandes poemas épicos do mundo. Agrupam-se os discípulos à volta do mestre amado. Chama, Sócrates, um deles para e afaga-lhe os cabelos enquanto explica suas ideias sobre a vida, a morte e a imortalidade da alma.
É a morte ou um sono eterno — suave esquecimento imortal em que não existe perseguição, nem injustiça, nem desilusão, nem sofrimento, nem aflição — ou uma porta através da qual passamos da terra para o céu, átrio que conduz ao palácio dos deuses.
“E lá, meus amigos, ninguém é morto por suas opiniões. Alegrem-se, portanto, e não lamentem meu destino. Quando me descerem à sepultura, digam que estão a enterrar apenas meu corpo e não minha alma.”
Aproxima-se a hora do pôr do sol. Entra o carcereiro com a cicuta e diz: “Peço que não se aborreça comigo, oh Sócrates, pois outros são a criminosa causa de sua morte, e não eu”. O carcereiro então estende a taça a Sócrates e começa a chorar.
Todos então se descontrolam e começam a chorar e apenas Sócrates se mantinha calmo. “Que tolice é essa?” disse ele. “Mandei embora as mulheres principalmente para evitar cena semelhante. Se acalmem, me permitam morrer em paz.” Ouvindo isso, todos seguraram as lágrimas.
E Sócrates, tendo bebido a cicuta, deitou-se, pois o carcereiro assim aconselhou. Em pouco tempo o veneno progrediu para o coração.
“E houve, então, um movimento convulsivo e os olhos de Sócrates se imobilizaram. Tal foi o fim de nosso mestre, a quem posso, verdadeiramente, chamar o mais sábio, o mais suave e o melhor de todos os homens que conheci”, escreveu Platão com grande eloquência e emoção.
Inconformado, partiu de Atenas em uma longa viagem de peregrinação.
As viagens de Platão, a Academia e os diálogos platônicos
É muito provável que tenha ido à Itália, onde travou conhecimento com a filosofia mística de Pitágoras, o fundador da matemática e o pai da música. De lá foi à Sicília, à Cirenaica, ao Egito, à Judéia e até às margens do Ganges.
Ao regressar a Atenas, após uma peregrinação de doze anos, havia transformado seu espírito em uma sala de tesouros de todo o saber acumulado no mundo.
Sócrates, contudo, era ainda o seu mestre supremo. Desse momento em diante, dedicaria a vida ao ensino das verdades do mestre. Com esse propósito, abriu uma escola de filosofia no jardim público de Atenas, conhecida como Academia, lugar encantador adornado de templos e estátuas.
Aí, sobre a margem de um rio, estabeleceu sua imortal escola filosófica e começou a expor a doutrina socrática, ou, como lhe chamamos hoje, a doutrina platônica.
Nota do Editor: A Academia foi fundada por volta de 347 a.C e se manteve em funcionamento por mais de novecentos anos.
Platão apresentou todas as suas ideias sob a forma de diálogos, pela boca de Sócrates, de sorte que, até hoje, não sabemos exatamente onde acaba o pensamento de Sócrates e onde começa o de Platão. De uma coisa sabemos — que, para Platão, assim como para Sócrates, o significado e a missão de toda a filosofia consiste na justiça entre os homens. “A justiça é a única felicidade verdadeira. Apenas os injustos são infelizes”, disse Sócrates.
E Platão acrescenta, falando, como de hábito, através da boca do mestre: “Porque é a injustiça o maior dos males que tem a alma, e a justiça o bem maior”. E foi a fim de investigar a natureza da justiça que escreveu seus diálogos imortais.
Foi Platão o mais compreensivo dos grandes pensadores do mundo. De Platão procedem todas as coisas que ainda são escritas e debatidas entre os homens de pensamento. Não há um único tema de interesse humano em que Platão não tenha tocado em sua busca dos princípios da justiça, busca que durou toda a sua vida.
A fraternidade universal do homem, a eugenia, o socialismo, o comunismo, o feminismo, o controle da natalidade, o amor livre, a livre expressão, os padrões de moralidade, a posse pública da riquezas, das mulheres, das crianças — são esses apenas, alguns dos problemas abordados em seus diálogos.
Contudo, no fundo de todas essas discussões há um propósito único: o seu desejo constante de ver a virtude estabelecida sobre o mundo. A virtude no indivíduo e a justiça no Estado. Deseja ver um Estado em que Sócrates, em vez de ser assassinado, fosse eleito rei. Ele descreve esse país imaginário em sua obra A República, a primeira utopia da história.
A República: o governo ideal de Platão
Em quase nada o nome “República”, em Platão, se assemelha com a ideia moderna que temos dessa palavra. Para ter uma ideia adequada da República desse filósofo — também nome de uma de suas obras — examinemos a vida de seus cidadãos desde o nascimento.
São as crianças, nascidas na República, o resultado de uma união comunal. São os melhores homens que se unem às melhores mulheres com o propósito único de produzirem uma prole superior.
Os homens possuem em comum essas mulheres; não há de haver casamentos individuais nem famílias particulares. Imediatamente após o nascimento, as crianças serão tiradas dos pais e colocadas sob a tutela do Estado.
É essencial que os pais não conheçam os próprios filhos. Somente desta maneira pode tornar-se de fato a fraternidade algo universal, em lugar de ser apenas uma teoria. Todos podem ser verdadeiramente considerados como irmãos um dos outros. Quanto aos pais, não precisarão limitar suas experiências sexuais aos respectivos companheiros.
Se, depois de haverem dado crianças ao Estado, desejarem “divertir-se à vontade”, podem fazê-lo. Platão também aconselha o aborto em algumas circunstâncias — se a mulher tiver mais de quarenta anos ou por controle populacional, por exemplo. Para Platão, o aborto é permitido pois existe um momento em que a alma ainda não habita o feto.
A questão do amor livre, contudo, é deixada sob a responsabilidade do indivíduo, e isto se aplica tanto às mulheres quanto aos homens. A vida particular dos cidadãos não diz respeito ao Estado. Tudo que Estado exige é que os cidadãos, na busca de sua felicidade individual, não prejudiquem felicidade dos outros.
A educação na República de Platão
Voltemos, no entanto, às crianças. Desde que nascem, são, como vimos, entregues aos cuidados do Estado. Até à idade de vinte anos recebem, todos, a mesma educação. Essa educação preliminar consiste, principalmente, em ginástica e música — ginástica para desenvolver a simetria do corpo, e música para desenvolver a harmonia da alma.
“O homem que não traz música na alma não é digno de confiança” pois o seu espírito é defeituoso e suas paixões desequilibradas.
A música — e a música, para Platão, abrange toda a harmonia, audível ou não — é o princípio fundamental que impede o mundo de cair num caos. É a alma do Universo, assim como os planetas e as estrelas são o seu corpo.
Sem música, seria o mundo um carvão apagado e os céus um punhado de cinzas mortas. A música, portanto, é a parte essencial da educação. É a cristalização audível de uma harmonia divina que se faz presente em todos os lugares.
Antes de atingirem a idade dos vinte anos devem todos os rapazes e todas as moças, conhecer a fundo os rudimentos da música e da ginástica. Os rapazes e moças devem trabalhar e brincar juntos. As moças, como os rapazes, devem despir-se para fazer os seus exercícios, pois, como diz Platão, os cidadãos do seu Estado ideal andarão “suficientemente cobertos com as virtudes”. É importante que não exista nenhum senso tolo de vergonha, nenhuma vergonha do corpo humano.
Sob a orientação de mestres adequados, a criança normal apreciará tanto a ginástica espiritual quanto os exercícios corporais. A escola deveria ser, portanto, um ginásio mental, um campo de recreio intelectual onde as crianças procurem exceder-se na prática fascinante da troca de ideias.
A estrutura hierárquica da República
Tal, portanto, é educação na República até à idade de vinte anos. Depois disso realiza-se uma grande mudança. Os incapazes de educação mais sofisticada são relegados à classe mais baixa — isto é, granjeiros, lavradores e comerciantes.
Estes constituem o componente inferior do Estado. Os que continuam após essa eliminação devem prosseguir em seu adestramento. Durante os dez anos seguintes — isto é, dos vinte aos trinta anos de idade — devem empreender o estudo das ciências: aritmética, geometria e astronomia.
Essas matérias, no entanto, devem ser estudadas mais por motivos de ordem estética que de ordem prática. Platão considerava indigno dos melhores cidadãos de sua República a utilização da aritmética no comércio, na construção de pontes, ou na feitura de máquinas.
O estudo dos números, segundo Platão, servia apenas para duas coisas — permitir ao filósofo entrever a unidade real através da diversidade aparente das coisas e permitir ao comandante militar dispor os seus soldados em pelotões, companhias e regimentos.
São, portanto, os filósofos e soldados os únicos que necessitam de um estudo extensivo da matemática. Completado o estudo das ciências aos trinta anos, realiza-se segunda mudança. Os que não conseguem aprovação no exame para um treino ainda mais elevado devem reunir-se numa classe média — os soldados.
Destinam-se à guarda do Estado. Desempenham os soldados um papel muito importante na República de Platão. Consagram-se a formar não uma fôrça agressiva mas um poder defensivo.
Platão odiava a guerra, mas compreendia que a melhor maneira de desencorajar um invasor era uma espada invencível. Temos, pois, em sua República, uma classe média de soldados — ou, como lhes chama Platão, guardiões — em adição à classe mais baixa de granjeiros, lavradores, e homens de negócio.
A classe mais baixa, recordamos, consiste nos que foram eliminados aos vinte anos, por inferioridade espiritual. A classe média, abrange aqueles que, aos trinta anos, demonstraram-se incapazes de ingressar na classe superior: a dos filósofos-reis.
Platão e a classe dos filósofos-reis
Os de mentalidade superior, que persistem após as duas eliminações, estão, agora, prontos para o estudo da Filosofia. Possuem trinta anos de idade. São esses os homens e mulheres que serão exercitados para dirigir o Estado.
Na República de Platão, como vimos, há igualdade completa entre os sexos. Recebem o mesmo treino e alcançam as mesmas posições. Platão foi revolucionário ao argumentar que as mulheres têm as mesmas habilidades naturais que os homens para serem dirigentes.
Após um curso de cinco anos de Filosofia, esses homens e mulheres escolhidos terminam o seu preparo teórico, mas não terminam a sua educação prática. Devem passar por um curso posterior de bom governo. Devem descer das alturas de sua contemplação ao mundo desordenado da vida cotidiana.
Por quinze anos devem envolver-se em tarefas práticas até que, aos cinquenta, estejam prontos para assumir o papel de filósofos-reis.
Na República ideal, somente o filósofo é digno de ser o dirigente. “A não ser que os filósofos se tornem governantes, ou os governantes estudem Filosofia, os homens sempre serão aflitos.”
Em que aspecto o filósofo se diferencia de seus semelhantes? Por sua habilidade em compreender a ideia perfeita do Bem, da qual é o mundo material apenas uma sombra imperfeita — conforme Platão explica no seu Mito da Caverna. A ideia perfeita do Bem, o Sumo Bem, o Divino Segredo da vida, é como luz brilhante no céu do filósofo.
Nota do editor: O Mito da Caverna (ou Alegoria da Caverna) é reconhecido pelos comentadores de Platão com um “resumo” de sua filosofia, além de uma crítica à condenação de Sócrates. Nessa alegoria, este mundo físico é apenas uma sombra de um mundo espiritual perfeito: o mundo das ideias. O homem que consegue se libertar das correntes que o prendem caminha para fora da caverna e contempla a verdade das ideias e o Sumo Bem, representado pelo Sol ofuscante que brilha no céu claro. Essa libertação só é possível através da elevação da razão. Contudo, ao voltar à caverna para avisar aqueles que ainda estão presos, este homem é ridicularizado. Essa alegoria aparece na forma de um diálogo entre Glauco e Sócrates na obra A República.
- Leia o diálogo do Mito da Caverna (PDF) : A Alegoria da Caverna: A Republica, 514a-517c
O Sumo Bem – a missão do filósofo-rei
Nossos espíritos comuns são, aqui embaixo, pedaços de espelhos quebrados nos quais se quebra a ideia em reflexos grotescos e irreconhecíveis. Tem o filósofo, por missão, polir e dar forma ao espelho do seu espírito, afim de receber uma clara imagem da ideia do Sumo Bem, da Luz da Razão que dirige as estrelas nos céus e os problemas dos homens.
E, tendo recebido esta clara indicação do propósito de Deus, cabe ao filósofo, em seguida, a tarefa de incorporá-la ao melhor Estado possível para os homens.
Porque o Estado ideal deve sempre ser governado pelos melhores. E, na República de Platão, são os filósofos, ao mesmo tempo pelo adestramento e pela habilidade natural, os escolhidos de entre os melhores homens e mulheres que o Estado foi capaz de produzir. Formam esses filósofos dirigentes a classe mais alta. As demais classes devem lhes obedecer.
Afim de assegurar a honestidade desses funcionários públicos, não haverá entre eles propriedade privada. Tudo possuirão em comum. Tomarão as suas refeições em refeitórios públicos, e dormirão juntos em alojamentos. Não tendo interesses pessoais, estarão protegidos do suborno e terão uma única ambição — estabelecer e perpetuar a justiça entre os homens.
Conhecemos, agora, a estrutura completa do Estado ideal. Penetremos nele afim de que possamos examinar alguns dos seus traços mais interessantes.
Política, religião, legislação e negócios na República
Os filósofos-governantes expulsaram o sistema pagão de politeísmo. É um insulto à inteligência deles acreditar nas narrativas infantis acerca dos deuses do Olimpo com suas bobas fraquezas humanas. A religião deve ser purificada de todos os seus mitos selvagens e milagres supersticiosos.
Deve-se conservar, apenas, a religião compatível com a razão humana. Que há sobre as relações humanas? Essas relações baseiam-se na conduta imparcial.
Os negócios são considerados como degradantes, porque — afirma Platão — não pode um negociante, ao mesmo tempo, prosperar e ser honesto. Os criminosos, na República de Platão, são considerados como objeto de piedade. Sua atividade é reprimida, não punida, pois a maldade é o resultado da ignorância.
Se um homem comete um crime, é porque não foi convenientemente educado. É uma criatura digna de pena que não compreende nem os próprios interesses.
Não se pode tornar dócil um cavalo violento açoitando-o, da mesma forma não se pode abrandar um homem simplesmente tratando-o da mesma forma. Se um criminoso é louco, é urgente curar-lhe a loucura. Se ignorante, é preciso ensiná-lo.
Que se aplique o remédio da sabedoria, mas não se flagele o criminoso com o chicote da vingança. A enfermidade física, como a enfermidade moral, é devido à ignorância. Uma educação adequada eliminará as doenças em larga escala.
Aos que se encontram incuravelmente doentes, deve-se permitir, misericordiosamente, que morram. Porque que morte rápida é preferível a uma longa enfermidade. Os advogados na República de Platão são um mal desnecessário.
Onde há conhecimento não há conflitos. As leis que governam o povo são poucas e de fácil interpretação, pois os dirigentes do Estado sabem que cada lei nova traz a semente de uma nova classe de contraventores.
Esses dirigentes ensinam os cidadãos a governarem a si mesmos, de sorte que a necessidade de policiá-los se reduz ao mínimo. A principal tarefa do governo na República é assegurar a felicidade dos governados, dar-lhes saúde, contentamento e lazer.
Beleza, justiça e amor — são palavras santas na filosofia de Platão. O homem bom, o homem feliz — pois ser bom é ser feliz — é o homem justo, o homem harmonioso, homem cujas qualidades de caráter perfeitamente afinadas executam sempre a nota certa na sinfonia da cooperação social.
Esse homem ideal da República ideal de Platão é consagrado à criação da beleza, seja em seus filhos, seja em obras de arte ou em nobres feitos. Porque a beleza é o reflexo da imortalidade. Ao criar uma obra de beleza vencemos a morte.
Tal era o sonho filosófico de Platão, o sumo sacerdote da religião da Beleza. Ele concebeu uma cidade de homens ideais e colocou-a entre as estrelas para que nela os arquitetos do futuro usassem modelo para as suas próprias tentativas de aproximar a terra do céu.
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Desentendimentos com Dionísio I – Platão é feito escravo
Não se satisfez Platão, todavia, com a, simples criação de uma utopia. Como o filósofo chinês Confúcio, tentou, colocar em prática as suas teorias filosóficas.
A convite de Dionísio I foi até Siracusa e procurou orientar o monarca. Dionísio, entretanto, era apenas rei e não filósofo. Se amedrontou com as ideias radicais de Platão e lhe ameaçou de morte.
Por intercessão de alguns amigos de Platão, entretanto, poupou-lhe a vida mas vendeu-o como escravo. E assim, Platão, ao invés de transformar Dionísio num filósofo-rei, foi por ele transformado num filósofo-escravo.
Felizmente para Platão, o homem que o comprara para a educação de seus filhos era amante da sabedoria e da justiça. Deu a liberdade a Platão e permitiu que fosse a Atenas. Ao voltar para a sua cidade natal recebeu Platão uma carta em que Dionísio lhe pedia desculpas.
O episódio todo, explicou o tirano, foi um terrível engano, e ele, portanto, esperava que Platão o perdoasse e não fizesse mau juízo a seu respeito. A essa carta respondeu Platão com desprezo: “Estou muito ocupado com a minha filosofia para perder tempo pensando em Dionísio.”
Últimos anos
Durante muito tempo Platão continuou dando lições filosóficas no jardim de sua Academia — conversações que eram como um discurso celestial. Entre essas conversações, já se encontrava seu mais ilustre discípulo, Aristóteles.
Nota do Editor: Apesar de Aristóteles dever sua esplêndida formação filosófica a Platão, o discípulo irá discordar do mestre em vários pontos. Essa discordância não significa uma pretensa superioridade, mas algo corriqueiro na tradição filosófica. É comum que as novas gerações de filósofos se apoiem nos antigos, apontando seus erros e criando suas próprias ideias. Essa divergência aparece no quadro de Rafael (acima) onde Platão aponta para cima (o mundo das ideias) e Aristóteles faz um gesto para baixo, sugerindo que nos voltemos mais para este mundo.
Um dia, com oitenta e um anos, estava presente à festa nupcial de um jovem amigo e se cansou do barulho que faziam. Pedindo que o desculpassem, foi para um quarto descansar. A festa tornou-se cada vez mais barulhenta. Os convivas esqueceram-se do velho e cansado filósofo que procurava descansar no meio de toda aquela confusão.
Horas depois, pé ante pé, o noivo entrou no quarto para ver como estava o mestre. Platão estava deitado e imóvel. Os insignificantes ruídos do mundo já o não perturbavam. O rei dos filósofos fora, por fim, chamado a entrar na pacífica República da Morte.
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Autor: Henry Thomas Schnittkind
Texto original extraído do livro “Vida de Grandes Filósofos”, 1944, de Henry Thomas e Dana Thomas. Editora Livraria do Globo.
Adaptações, notas, links e frases – Alfredo Carneiro, editor do netmundi.org
Referências Bibliográficas do editor
- DUMONT, J. P. Elementos de história da filosofia antiga. Brasília: EdUnB, 2005
- HADOT, P. O que é a Filosofia antiga? São Paulo: Lisboa, 1999.
- LAÊRTIOS, D. Vida e doutrinas dos filósofos ilustres. Brasília: Ed UnB, 1997.
Texto Complementar – O Banquete (sobre o amor)
Nota do Editor: O texto abaixo faz parte do texto original de Henry Thomas utilizado neste post, todavia, o autor demora em identificar que se trata da biografia de Platão. Para o leitor, pesquisador e estudante, é importante identificar o tema principal logo no início (principalmente na internet). Então, optei por transformar essa abertura em texto complementar para evitar equívocos. O Banquete é um diálogo platônico sobre o amor.
Realizava-se um banquete na casa do poeta ateniense Agaton. Tendo conquistado o primeiro prêmio com um drama de sua autoria, no Teatro Grego, o poeta convidara seus amigos para com celebrar. Discutiam um de seus temas prediletos — o amor.
Cada um tentava explicar a ideia que fazia de tão absorvente tópico. Disse Fedro: “o amor é o mais velho dos deuses, e um dos mais poderosos. É o princípio que transforma em heróis os jovens comuns, pois o enamorado envergonha-se de fazer papel de covarde diante de sua amada. Dai-me um exército de enamorados e poderei conquistar o mundo.”
“Sim”, concorda Pausânias, o orador seguinte, “mas é preciso distinguir entre o amor terreno e o amor divino — a atração entre dois corpos, de um lado, e a afinidade entre duas almas, de outro. O amor vulgar, do corpo cria asas e foge ao passar a juventude. Mas o nobre amor da alma é perpétuo”.
Intervém então, o comediógrafo Aristófanes, com uma explicação completamente nova a respeito do amor. Contou que nos velhos tempos andavam os dois sexos unidos num só corpo. Era esse corpo redondo como uma bola, tinha quatro mãos, quatro pés e dois rostos.
Movimentava-se com assombrosa rapidez utilizando-se de seus oito membros, como se fossem raios de uma roda, numa série de contínuos saltos mortais! Terrível era a habilidade dessa raça e ilimitada sua ambição.
Planejavam escalar os céus e atacar os deuses, quando Júpiter teve a ideia de cortá-los em dois. Ficaram, assim, apenas com a metade de sua força. Desse dia em diante as duas metades daquele corpo, o masculino e o feminino, vêm se consumindo no ardente desejo de se reunirem outra vez num só.
Essa humorística interpretação do amor é seguida de várias outras definições interessantes até que, por fim, é solicitado o convidado de honra, Sócrates, a fazer algumas observações sobre o assunto.
“Depois de toda essa eloquência”, principia Sócrates, “sinto-me petrificado, aparvalhado. Como poderá a minha estupidez competir com tamanha sabedoria?”
E, tendo feito esse socrático prefácio de irônica modéstia, começa refutando toda a “sabedoria” deles com a sua “estupidez”. Despedaça-lhes os argumentos com uma série de perguntas irrespondíveis e continua, então, esse processo destrutivo.
“O amor,” observa, “é o ardente desejo da alma humana pela beleza divina. O amante anseia não somente por encontrar a beleza, mas por criá-la, por perpetuá-la, por plantar no corpo mortal a semente da imortalidade. É por isso que se amam os sexos uns aos outros — para se reproduzirem e, assim, prolongarem o tempo até a eternidade”.
“E é por isso que os pais amam seus filhos. Porque a alma dos pais cria não apenas filhos mas também investigadores e companheiros, colaboradores e sucessores na eterna busca da beleza.”
“E que é essa beleza que todos buscamos perpetuar através do amor? É a sabedoria, a virtude, a honra, a coragem, a justiça e a fé. Numa palavra, beleza é verdade. E a verdade é o caminho que conduz diretamente à Deus.”
Todos aplaudem o discurso do filósofo e passam, depois, a tratar de assuntos mais prosaicos. Iniciam um concurso de bebida que dura toda a noite. Um por um, vão caindo bêbados até que reste apenas três — Aristófanes, Agaton e Sócrates.
Bebem de uma grande taça que passam um para o outro, e Sócrates explica aos dois poetas que o grande comediógrafo deve ser também um grande dramaturgo. Aristófanes é o primeiro a pegar no sono.
Depois, ao amanhecer, adormece Agaton. Sócrates deita-os delicadamente para que descansem, bebe a última taça em honra do deus do vinho, Dioniso, e reinicia a sua tarefa diária de difundir a sabedoria entre os cidadãos de Atenas.
Um dos convidados desse famoso banquete era um discípulo de Sócrates, jovem que imortalizaria mais tarde, as proezas mentais e a resistência física de seu mestre. O nome desse jovem era Platão.
Frases de Sócrates (atribuídas a Platão)
- “Calar a Filosofia é calar a voz da própria vida.”
- “Uma vida irrefletida não vale a pena ser vivida.”
- “Não consulte os deuses e nem os pássaros, não consulte nada nem ninguém sobre aquilo que podes saber por ti mesmo.”
- “Ainda que eu saiba pouca coisa, não acredito saber aquilo que não sei.”
- “Procurando, segundo a vontade de Deus, pareceu-me que os mais ignorantes eram mais capazes quanto à sabedoria.”
- “A ignorância mais reprovável é acreditar saber aquilo que não sabe.”
- “Eu reprovo todas aqueles que fazem pouco caso das coisas de grande importância e grande caso de bobagens.”
- “A virtude não nasce da riqueza, mas, ao contrário, são as riquezas que nascem da virtude.”
- “O espírito que se inquieta com mil necessidades, criadas por ele mesmo, é mais livre que o espírito que se entrega aos mais belos pensamentos?”
- “Quanto mais um homem diminui suas necessidades, mais se aproxima das condições divinas.”
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