O que é Filosofia?
O problema de se perguntar o que é Filosofia é que esta já é uma pergunta filosófica. Se perguntarmos para um médico o que é a medicina, provavelmente sua resposta não irá diferir das respostas de outros médicos. Contudo, quando perguntamos o que é Filosofia, uma definição violaria sua principal característica: desenvolver o pensamento.
Outro problema é querer saber para que serve a Filosofia (falei sobre isso neste outro post). Ao contrário das demais áreas da atividade intelectual, a Filosofia evita respostas definitivas. Quem dela se aproxima deve se acostumar com o constante questionamento.
Certa vez um taxista, senhor muito educado, me perguntou qual era minha formação acadêmica. Respondi que era formado em Filosofia. Ele ficou curioso e me perguntou: “o que é Filosofia?”
Era uma conversa rápida e eu teria de responder algo que satisfizesse sua curiosidade. Disse que a Filosofia exigia correção constante do pensamento, habilidade em reunir argumentos para sustentar uma conclusão, evitar conclusões apressadas e desconfiar da incoerência.
Dei o exemplo da liberação das drogas, que seja qual for nossa opinião sobre o assunto, ela deve se embasar em argumentos que sustentem nossa conclusão. Falei sobre a responsabilidade de sustentar conclusões que acreditamos serem verdadeiras. O taxista pareceu gostar da minha resposta e eu queria apenas passar uma boa impressão.
Filosofar é pensar e dialogar claramente
Entretanto, tudo o que eu falei não é uma “definição” da Filosofia, mas apenas algumas de suas características. Eu não queria simplesmente dizer que a resposta para a pergunta “o que é Filosofia?” não podia ser dada rapidamente.
Mas acredito que devemos aprender a dar respostas rápidas — e não apenas deixar um falso ar de mistério — pois assim o outro terá como iniciar o diálogo.
Falando em termos puramente pedagógicos, o que um professor de Filosofia deve ensinar aos seus alunos não é apenas a história da Filosofia, mas também o uso de suas “ferramentas de pensamento” para que os alunos consigam pensar e se expressar claramente.
Para se expressar claramente, é necessário antes ter claridade na alma.
— Arthur Schopenhauer
Sem Filosofia os pensamentos são vagos e indistintos: sua tarefa é esclarecê-los e dar-lhes limites nítidos.
— Ludwig Wittgenstein
A Filosofia não está necessariamente ligada ao mundo acadêmico, pois no fundo é uma atividade voltada para o exercício constante da reflexão acerca dos problemas políticos, éticos, metafísicos e existenciais.
É muito mais uma atividade das personalidades curiosas e investigativas do que algo feito apenas por professores e alunos. O filósofo é acima de tudo um indivíduo que está perplexo. Leia depois o post “Espanto: a origem do pensar”.
Filosofia, curiosidade e perplexidade
Não existe filósofo que não seja desconfiado, e hoje sabemos que várias ramificações da ciência nasceram da desconfiança filosófica. Aristóteles foi considerado um dos primeiros biólogos, pois fazia registros detalhados de plantas e animais. Seu aluno Alexandre, o Grande, lhe remetia espécimes esquisitas de toda a Ásia, pois sabia da disposição investigativa de seu antigo mestre.
Aristóteles era antes de mais nada um filósofo movido pelo maravilhamento e questionamento constantes, e a ciência que surgiu séculos depois deve muito à lógica formal desenvolvida por Aristóteles e também ao trabalho de filósofos mais antigos como Pitágoras. Leia depois um post sobre como surgiu a Filosofia.
Tales de Mileto é considerado “o primeiro especulador financeiro“, pois enriqueceu graças a uma previsão surgida de suas observações dos astros. Porém, o que motiva o pensamento filosófico é o espanto, o assombramento diante daquilo que não conhecemos. Aquele que se pergunta o que é Filosofia, obterá melhores respostas se estiver perplexo.
Ora, aquele que se maravilha e está perplexo sente que é ignorante, portanto, se foi para escapar à ignorância que se estudou filosofia, é evidente que se buscou essa ciência por amor ao conhecimento, e não visando qualquer utilidade prática.
— Aristóteles
É preciso subir as próprias escadas
A impressão que o senso comum tem da Filosofia é que ela não serve para nada. Porém, se a desconfiança é uma das principais motivadoras da reflexão, devemos então nos perguntar: Por que as mentes mais brilhantes da humanidade resolveram se ocupar com algo que não serve para nada?
Uma abordagem utilitária da Filosofia é a pior abordagem, pois estamos falando de uma reflexão que pretende investigar não apenas o homem mas também os fundamentos da realidade. E muitas vezes as investigações filosóficas não possuem dados empíricos.
É o caso, por exemplo, da Metafísica, uma das ramificações mais importantes da Filosofia. A questão é que, quando um problema filosófico atinge uma solução empírica, pode deixar de ser Filosofia, tornando-se ciência. Leia depois este post sobre Filosofia da Ciência.
Posts do netmundi sobre Metafísica:
Wittgenstein, um dos maiores filósofos do século XX, afirmou que é um erro comum dos filósofos contemporâneos responder perguntas à maneira da ciência. Para ele, Filosofia é atividade, e não teoria, sugerindo ainda que a reflexão filosófica faz parte de uma instância absolutamente particular do ser humano. Então, é preciso buscar nossas próprias respostas, e não apenas ler as respostas dos outros.
Meus argumentos se esclarecem dessa maneira: quem me entende acaba por reconhecê-los como contraditórios após ter escalado através deles – por eles – para além deles. Deve, por assim dizer, jogar fora a escada após ter subido. Deve ultrapassar meus argumentos, e então verá o mundo corretamente.
— Ludwig Wittgenstein
Apesar de a leitura ser algo indispensável, o filósofo alemão Arthur Schopenhauer foi enfático — e até mesmo radical — ao afirmar que sem o desenvolvimento do pensamento próprio através da reflexão, seria melhor então não ler coisa alguma.
Para ele, nada é mais importante do que nossos próprios pensamentos, a argumentação de outros filósofos deveria servir apenas como base para nossas reflexões.
Os eruditos são aqueles que leram coisas nos livros, mas os pensadores, os gênios, os fachos de luz e promotores da espécie humana são aqueles que leram diretamente no livro do mundo.
No fundo, apenas os pensamentos próprios são verdadeiros e têm vida, pois somente eles podem ser entendidos de forma autêntica. Pensamentos alheios, lidos, são como as sobras da refeição de outra pessoa.
— Arthur Schopenhauer
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A argumentação filosófica
O pensamento científico não encerra o pensamento filosófico, pelo contrário, a Filosofia começa quando a ciência acaba. Bons exemplos disto são o problema da consciência e a reflexão sobre religiões e religiosidade.
Apesar dessa característica de transcendência que a Filosofia parece assumir, ela adota posturas racionais no seu discurso, primando pela argumentação lógica e coerente, evitando argumentos falaciosos.
Mesmo que a Filosofia dispense muitas vezes dados empíricos, ela não pode abandonar a forma racional e lógica de argumentação. Aquele que argumenta utilizando falácias e teatralidade não está comprometido com a verdade, sendo considerado, pelo menos pelos filósofos, alguém que não deve ser levado a sério. São algumas posturas fundamentais:
- Argumentação racional e lógica
- Evitar a contradição na demonstração de fatos e ideias
- Busca constante da coerência
- Utilização do bom senso e da razoabilidade
- Honestidade intelectual
- Se for o caso, criticar suas próprias ideias, como fez Wittgenstein
Um bom exemplo de argumentação criteriosa é o argumento da sala chinesa, elaborado pelo filósofo americano John Searle para demonstrar que as máquinas não podem pensar. A busca por crenças verdadeiras e justificadas faz parte da Epistemologia, uma das áreas mais atuantes da Filosofia Contemporânea.
Vale lembrar que a Filosofia nasceu quando um grupo de pensadores gregos passou a investigar os fundamentos da natureza de forma lógica e racional, abandonando as explicações mitológicas. Ainda que a Filosofia deva muito à mitologia, a postura racional é absolutamente indispensável ao filósofo.
Filosofia, ética e sabedoria
A Filosofia também está associada ao comportamento ético, contudo, as reflexões sobre a melhor forma de viver ainda não atingiram respostas satisfatórias.
Não é possível sentir o sofrimento alheio — se pudesse de fato ser transmitido, muitos conflitos seriam resolvidos. Porém, as reflexões sobre as dificuldades da vida em comunidade podem nos fornecer importantes orientações acerca de nossas ações.
A Ética é também outra importante ramificação da Filosofia. Para Aristóteles, não existe uma fórmula para a melhor forma de agir, e a ação correta estaria ligada à ponderação sensata dos casos particulares levando em consideração o bem da coletividade.
Embora seja desejável fazer o bem para para um indivíduo só, é mais nobre e mais divino fazê-lo para uma nação ou para uma cidade.
— Aristóteles
Da mesma forma que a Filosofia não pode nos garantir a ação correta, a experiência também parece não garantir o comportamento ético — entre as pessoas sofridas algumas praticam o bem e outras o mal, assim como, entre as pessoas que tiveram uma vida confortável, algumas são cruéis e outras são bondosas.
A sabedoria, portanto, parece surgir de uma constante reflexão aliada à vivência. Por isso se diz que a Filosofia não pode ser apenas teoria. Esperamos dos filósofos uma postura que esteja de acordo com aquilo que eles pregam; uma coerência entre aquilo que dizem e aquilo que fazem.
O filósofo grego Epicuro acreditava que a filosofia é uma prática constante que deve superar a enganosa aparência das coisas.
Não devemos fingir fazer filosofia, e sim realmente fazê-la; pois precisamos não da aparência de saúde, mas de saúde verdadeira.
— Epicuro
Pitágoras não gostava de ser chamado de sábio, mas de amante da sabedoria. Tal é a origem grega da palavra Filosofia, que significa “amor à sabedoria” enquanto investigação apaixonada dos problemas da existência humana e da realidade.
Se, conforme afirmava Sócrates, o verdadeiro sábio é aquele que sabe que não sabe, então a Filosofia é acima de tudo uma atividade daqueles que se reconhecem ignorantes, e não daqueles que se acham sábios.
Tanto em Epicuro quanto em Pitágoras, Sócrates, Platão e Aristóteles existe a ideia de Filosofia como busca constante pelo conhecimento.
O filósofo é um explorador
A filosofia é um constante caminhar em terrenos difíceis e florestas escuras. O filósofo é antes de tudo um explorador, pois nesse aspecto a Filosofia se identifica com o próprio espírito humano inquieto e investigador.
Ela não se define facilmente pois está distante, longe do conforto e dos caminhos fáceis e conhecidos. Se chegamos até aqui, foi porque muitos homens e mulheres resolveram caminhar por terras inexploradas, evitando os limites e as respostas fáceis.
Quando nos perguntamos sinceramente o que é Filosofia, começamos a nos afastar. O filósofo Friedrich Nietzsche afirmou que a moral é uma cadeia que encarcera os espíritos livres. Por isso, sobre a Filosofia e os filósofos escreveu:
A filosofia, como a compreendi e a vivi até agora, é vida voluntária no meio do gelo e nas altas montanhas – é a busca de tudo o que é estranho e duvidoso na existência, de tudo o que foi até agora proscrito pela moral.
O filósofo é aquele que constante vive, vê, ouve, suspeita e sonha (…) coisa extraordinária
— Friedrich Nietzsche
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Afinal, o que é Filosofia?
O filósofo lituano-francês Emmanuel Lévinas afirmou que a filosofia é algo que se opõe à ingenuidade. Aquele que toma o mundo como certo vive no ambiente limitado de sua própria casa, contudo, acredita que sua casa — representada pelas suas ideias, experiências e crenças — representa também o mundo todo.
Esta forma de pensar foi chamada por Lévinas de pensamento totalizador. Mas aquele que se faz perguntas filosóficas percebeu que sua casa tem janelas, de onde se contempla um vasto e curioso horizonte.
Diante do temor do desconhecido, o filósofo Immanuel Kant nos deixou um conselho curto e simples: “Ousa pensar”.
Devemos escalar através de nosso próprio esforço. E ao atingir certa altitude, não devemos lamentar o fato de nossa escada não servir para outros, mas sim ficarmos satisfeitos em contemplar uma ampla paisagem.
Mas, afinal, o que é Filosofia? Espero que você busque suas próprias respostas. E se chegou até o final deste texto, é porque já começou a construir sua própria escada. Boa sorte!
Autor: Alfredo Carneiro – Graduado em Filosofia e pós-graduado em Filosofia e Existência pela Universidade Católica de Brasília.