Crom, um deus nietzschiano
Em uma história escrita pelo próprio Robert E. Howard, criador do personagem Conan, ocorre um diálogo entre o cimeriano e um grupo de vikings que mostra a influência da mitologia no ethos de cada povo (o ethos é o conjunto de crenças, hábitos e costumes de uma sociedade).
De certa forma, esse diálogo está de acordo com a visão de Nietzsche sobre a importância do mito para a vontade de potência, que é a vontade de viver esta vida de forma vigorosa e plena.
Para Nietzsche, a relação que os antigos tinham com seus deuses tinha ligação com imagens, significados e sentimentos profundos que davam sentido à vida. Neste diálogo, Conan fala sobre o Crom, o deus dos cimerianos.
Na história, Conan está viajando por terras geladas quando encontra um grupo de vikings. Como são guerreiros de personalidade forte, logo se desentendem. Inicia-se um confronto, mas o grupo não consegue dominar o jovem cimeriano, que então tinha apenas 17 anos.
Impressionados com a força e habilidade do jovem guerreiro, convidam-no para seguir viagem com eles. Então, ocorre um interessante diálogo sobre as crenças e mitos de seus povos..
Os vikings falam para Conan sobre o deus Odin. Explicam que Odin construiu um salão para os bravos guerreiros mortos em combate, chamado Valhala. Belíssimas deusas chamadas Valquírias surgem para buscar as almas dos bravos guerreiros, que são recebidos com honras por Odin. Conan ouve atentamente os vikings, todos estão ao redor de uma fogueira.
Mas Conan parece estar ouvindo a história com uma expressão irônica. Os vikings já irritados pedem então que Conan fale de seu deus, talvez para fazer pouco caso do deus cimeriano.
Conan então fala de Crom, o deus dos cimérios. Crom é um deus severo e sombrio que mora em uma montanha gelada coberta de névoas. De lá observa os mortais com reprovação. Crom confere aos mortais coragem, vontade de viver e capacidade de superar as adversidades, por isso reprova os guerreiros que morrem em combate.
Os cimérios não invocam Crom para pedir ajuda, não reclamam nem choram, pois isso seria um sinal de fraqueza que poderia desagradá-lo. Comparado a Crom, Odin é um deus bondoso.
Conan então conclui: “É por isso que nós, cimerianos, sempre vencemos os vikings em combate. Não queremos encontrar Crom e receber seu olhar de reprovação”.
Os vikings queriam morrer com bravura para agradar Odin, mas os cimerianos simplesmente não queriam morrer para não desagradar Crom. Queriam adiar o máximo possível o encontro com seu severo deus em sua montanha gelada.
Crom, talvez, concordaria com Nietzsche: “Nada de lamúrias! Agarra, agarra sempre”.
Autor: Alfredo Carneiro – Graduado em Filosofia e pós-graduado em Filosofia e Existência pela Universidade Católica de Brasília.